segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A par e passo 61


A poesia francesa difere musicalmente de todas as outras, chegando ao ponto de ser olhada, por vezes, como se fosse privada dos encantos e recursos que se encontram noutras línguas à inteira disposição dos poetas. Creio, no entanto, que há por aqui um erro; mas este erro, como acontece com frequência, é uma dedução ilegítima e subjectiva de uma observação exacta. É a língua, em si mesma, que é preciso considerar para definir a singularidade fonética; esta, desde que bem determinada, poderemos tentar explicá-la.
Três características distinguem nitidamente a língua francesa das outras línguas ocidentais: o francês, bem falado, não canta quase nunca. É um discurso de registo pouco amplo, de palavras mais lisas do que as outras. De seguida: as consoantes em francês são predominantemente temperadas (adoucies); nada de figuras rudes ou guturais. Nenhuma consoante francesa é impossível de ser pronunciada por um Europeu.
Finalmente, as vogais francesas são numerosas e cheias de nuances, formando um raro e precioso conjunto de timbres delicados que oferecem aos poetas dignos desse nome valores pelo jogo dos quais eles podem compensar o registo temperado e a modulação geral dos acentos da sua língua. (...)

Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 137/8).

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