quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Memória 64 : Luiz Pacheco


Com tanto desregramento, dissipação física e abusos, com frequentes carências de diversa ordem, é difícil imaginar que Luiz Pacheco (1925-2008) andou por cá quase 83 anos. Morreu a 5 de Janeiro, faz hoje 4 anos. O "Jornal do Gato" (1974), publicado por Mário Cesariny, dá conta desta vida, quase vil e mesquinha, feita de expedientes pouco nobres, promíscua na libertinagem pequena, à boa maneira portuguesa. Mas Luiz Pacheco é também uma figura singular: um notável intuidor de talentos, um frenético editor de obras de vanguarda, bom tradutor quando se empenhava nisso, um andarilho incansável - um guloso da vida que tentou saborear até ao fim. É de "Diário Remendado / 1971-1975" (Dom Quixote, 2005), o excerto que se segue:
1/1/74
Agora a luta é comigo. Se quero aguentar mais uns tempos é dominar os meus demónios interiores, a moleza d'alma, o impedir pelos meios ao meu alcance a repetição dos erros do ano passado, que alguns deram frutos mas nem sei se compensadores.
E não me resignando à velhice e ao silêncio, aceitar os desgastes da idade, dizer adeus às metas (e às conas) já impossíveis de alcançar. Enfim, conhecer os meus limites e tentar superá-los apenas se a ousadia valer os riscos e em plena consciência. Não pela força do álcool que julgo - para já - o meu pior inimigo.
Amanhã, mudar de programa. Vai ser um combate incerto que derrotas, desânimos, mesmo períodos de crise, poderão comprometer definitivamente. A ver vamos. (pg. 149)

2 comentários:

  1. Gostei: «bom tradutor quando se empenhava nisso».
    Vou colocar um vídeo no Prosimetron. :-))))

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  2. Força, MR!, estou a imaginar..:-))

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