segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A efemeridade do gosto



Quando, há dias, um jovem me argumentava com as excelências de também 2 jovens escritores portugueses, justificando e reforçando o seu gosto entusiástico com os prémios e traduções, no estrangeiro, das obras desses autores, eu, que os achava apenas de qualidade meã ou razoável, contrapunha-lhe o exemplo da antiga fama, prémios e inúmeras traduções que se fizeram da obra de Fernando Namora, hoje, esquecido e, que, dificilmente, passará à história literária do séc. XX português.
Adolescente e jovem, também eu li, com entusiasmo muitos dos livros de Namora, mas hoje não consigo explicar, para mim mesmo, porque apreciava tanto a sua escrita. A tentativa, aqui há três ou quatro anos atrás, para o reler e reavaliar, saldou-se por uma rotunda desilusão e fracasso. É evidente que, com a idade, vai crescendo o nosso grau de exigência, fui conhecendo e lendo obras maiores, começando também por ser mais selectivo no meu tempo de leitura e suas opções. Por outro lado a ficção portuguesa raramente foi "romance de ideias" (se exceptuarmos Vergílio Ferreira e pouco mais), e os factos têm duração efémera, a paisagem e sua descrição modificam-se, os sentimentos mudam, os conceitos de moda, perdem-se, rapidamente.
Falei ontem de Redol, aqui no Blogue, e de Marmelo e Silva, por acréscimo, entre outros escritores desvalorizados ou esquecidos, actualmente. Uma Amiga, em comentário, falou no eventual centenário deste último autor português. Fui ver: José Marmelo e Silva nasceu a 7 de Maio de 1911, na Covilhã. Há um ano, o seu centenário, portanto, e não me lembro de alguém ter falado nele, apesar de ser pai do poeta José Emílio-Nelson (1948) que também trilha caminhos literários.
Ora, Marmelo e Silva teve algum nome, nos anos 50, 60 e 70, era conhecido e falado, por quem lia, ou estudava literatura. O seu "Adolescente agrilhoado" entre 1947 (ano de publicação) e 1986, teve quatro edições - coisa não despicienda, na altura. Quem, hoje, com menos de 40 anos lhe saberá o nome e obra? É certo que os seus livros falavam de universos pequeninos, provinciais, de pecados de consciência, de matrizes excessivamente cristãs. Hoje, as vivências são outras, as mentalidades diferentes, os gostos deslocaram-se para outras paragens e mundos...
Mas, atenção!, o facto de estar obrigatoriamente à la page, ou no centro da moda e da mundanidade, não significa perenidade. Já Drummond dizia "Não faças poemas sobre acontecimentos..." - cito de memória. E, como eu dizia ao meu jovem interlocutor, que referi no início deste poste, não basta escrever bem, usar "piercings", ou falar de locais emblemáticos (Veneza, Trieste, a Índia, por exemplo) para deslumbrar o pio leitor, citando autores de culto e na berra, para passar no exame do Tempo. É preciso muito mais do que isso. Sic transit...

com agradecimentos a MR.

12 comentários:

  1. Aqui está um assunto que me preocupa. No que diz respeito à prosa portuguesa, tenho uma imensa admiração por Eça de Queirós e creio que está ao nível internacional seu contemporâneo - é um escritor que julgo que o tempo não pode apagar e não se deixa ultrapassar pelas "modas". Por causa do Columbano (e da minha avó paterna), li Raul Brandão e fiquei a admirá-lo muito também. Mas compreendo a ideia - ter prémios e distinções não é necessariamente sinal de qualidade. Acho que o tempo é melhor juiz para separar o "trigo do joio". Quantos serão os artistas, escritores, pensadores (etc.) premiados da actualidade que irão ficar na História? Quantos (como Van Gogh) são esquecidos no seu tempo e admirados no futuro?

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  2. A Eça, Margarida, ninguém lhe há-de retirar um lugar cimeiro - penso que é indiscutível. Mas cada época retém muito pouco, se olharmos para trás. Como Camões, no séc. XVI, "secou" tudo à volta, como os grandes eucaliptos, também Pessoa "esmagou" o séc. XX, muito embora, nesse período, haja bons poetas que irão ficar na sombra, porque as comparações, no futuro, serão inevitáveis. Raul Brandão é, quanto a mim, um valor sólido - "Humus" (pesado, embora, de ler), "As Memórias", "Os Pescadores"...
    Mas é sempre muito difícil, no próprio tempo em que estamos inseridos, avaliar a qualidade e perenidade de uma obra de arte. Podemos é gostar, ou não. Por outro lado, há sempre os injustamente esquecidos que, por vezes, são "ressuscitados" do limbo, por uma alma generosa, com bom sentido crítico. Não fora Mendelssohn, e não saberíamos de Vivaldi. Para além da descoberta que fez, em 1829, da "Paixão segundo S. Mateus", J. S. Bach. E que ajudou grandemente ao ressurgimento do grande Compositor do barroco. O melhor será ainda seguirmos o nosso gosto mais íntimo e deixar de lado, sempre, os "Top 10"..:-)

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  3. Desde ontem que queria escrever aqui e estava a ver que não conseguia.

    Afinal o centenário de Marmelo e Silva foi no ano passado. Gostei de alguns livros que li dele. Lembro-me que eram levemente eróticos, o que não é muito comum na literatura neo-realista. Ou estou enganada?

    Obrigada!

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  4. Realmente, MR, não era muito comum, embora houvesse umas "ambiências" sugestivas, pelo menos, em alguns dos livros de Urbano Tavares Rodrigues.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Desculpe-me, José Emílio-Nelson, mas eu sou apenas um "pobre homem" de Guimarães, ou de Coimbra, para ser rigoroso. É evidente que li com gosto, entusiasmo e interesse a obra de José Marmelo e Silva, na juventude. Mas cresci, entretanto. E não o esquecendo, fui tendo outras referências e outros interesses. É óptimo que falem de JMS e o estudem - fico contente que o façam. Mas, e como dizia o Eugénio :"..eu fui com as aves"; aliás, que importa ao mundo que eu desconheça José Marmelo e Silva se, no entanto, falei dele no meu Blogue?

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. José Marmelo e Silva, conforme constatamos no Colóquio realizado na Faculdade de Letras do Porto, nas Sessões de Homenagem em Coimbra, Lisboa, Espinho, Aveiro por altura do Centenário do Nascimento do escritor, é um autor lido e estudado actualmente. Há recentes colectâneas de estudos organizadas por Arnaldo Saraiva e pelo Ernesto Rodrigues que coligem estudos sobre as sus obras (Rosa Maria Martelo, Rui Lage, Maria Alzira Seixo,Maria de Fátima Marinho (coordenadora das Obras Completas de JMS - NÃO ACEITEI A ORTODOXIA), etc.).
    Os temas da sua obra são universais: 1938, Sedução [o lesbianismo], Adolescente, 1948 [ a problemática da adolescência], etc., etc.; no último livro editado, DESNUDEZ UIVENTE [a corrupção].Consultem o site: leiam, entre outras, a opinião de José Saramago, segundo o qual, o estilo de JMS "é um estilo que não tem similar em Portugal".
    Escrever: " É certo que os seus livros falavam de universos pequeninos, provinciais, de pecados de consciência, de matrizes excessivamente cristãs.", é desconhecer o José Marmelo e Silva.

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  9. Wikipédia, Projecto Vercial, www.josemarmeloesilva.com - são de consulta obrigatória acerca da Vida e da Obra de José Marmelo e Silva.

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  10. Registo, e agradeço, J.E.-N., a sua síntese posterior.

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