segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Alheamentos, livros e citações


Tenho um grande respeito por livros, até como objectos de cultura e, por isso, é com grande dificuldade que me atrevo a sublinhá-los (apenas o fiz, com mais desembaraço, por razões escolares), mesmo que seja a lápis. Opto por marcar as páginas com um pequeno pedaço de papel fino, ou de jornal, para depois saber aonde voltar, por causa de alguma passagem de texto que, especialmente, me surpreendeu.  E porque também me agradam raciocínios argutos ou citações certeiras que não quero esquecer, ou perder, para sempre.
Viremos a página, momentaneamente. Num encontro, numa presença física a dois, ou num diálogo que, de repente, se interrompe pelo silêncio de um dos interlocutores num inesperado alheamento, o outro parceiro tem normalmente uma curiosa expectativa na pergunta ambivalente que formula: "Que tens?" ou "Em que estás a pensar?" - consoante o grau qualitativo cultural, a mentalidade, ou o tema desse diálogo interrompido por uma das partes. Estes alheamentos são o que eu chamaria os necessários íntimos monólogos, ou desvios associativos de tema, profundamente pessoais. Muitas vezes, inconfessáveis. Há, neste último caso, uma osmose intraduzível, entre o sensorial e o mental.
Pelo meio do já exposto acima, assim segue: tenho-me questionado muito porque é que, raríssimas vezes, encontro alguma citação importante, digna de registo, nas obras de ficção ou policiais de Georges Simenon, até mesmo no pungente, amargo e autobiográfico livro das suas memórias pessoais. Mas com surpresa, há dias, ao reler o número 517, "Maigret e o Fantasma" (Maigret et le Fantome), da colecção Vampiro, deparei-me com uma descrição bastante perfeita desse tal "alheamento" de que falei acima, relacionada com o comissário Maigret. E não resisto a transcrevê-la, (pgs. 45/46) parcialmente:
"...Se lhe tivessem perguntado em que pensava, experimentaria dificuldade em responder. Fixava. Em desordem. Ao acaso. Olhava, ora para fora ora para o apartamento, consciente de que, num momento dado, algumas imagens se reuniriam e assumiriam um sentido. ..."

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