A última meia hora era sempre a pior. Já a Adelaide tinha saído, deixando a copa a brilhar e os panos húmidos, pendurados, a secar. Não antes de, às escondidas e disfarçadamente, dar uma golada na S. Domingos, para o frio do caminho, que ela morava longe. E ele fingia que não via - perdoava.
Já pouca gente viria. Pontualmente, e dez minutos antes de fechar, chegava o casal de meia idade para o café de depois do jantar. E, na música-ambiente sucediam-se, impreteríveis, o Ray Conniff, o Mantovani e o Bacharach, diariamente, até que ele desligasse.
Mas hoje, um cliente desconhecido, que já ia no terceiro whisky, tamborilava no balcão e entoava, pausadamente: "Nas nossas ruas, ao anoitecer...", numa lúgubre melopeia oscilante, que lhe deu angústia. Faltava pô-lo na rua, desligar a máquina de café e as luzes, silenciar a música, despir a farda, ir-se embora. Atravessar, depois, a pequena ponte sobre a ribeira, que já ia alta e barrenta. E, hoje, que chovia tanto...
A casa, quando chegasse, devia estar muito fria. E o desconhecido cliente lá continuava a tamborilar no balcão e a cantarolar: "...há tal soturnidade, há tal melancolia..." Um arrepio gélido chegou-lhe ao coração. E os minutos nunca mais passavam.
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