Os ensaístas, bem como os filósofos, nunca abundaram na terra portuguesa. Se considerarmos apenas o ensaio literário, desde o pioneiro Moniz Barreto (1863-1896), luso-indiano, a lista de figuras, que abordaram a temática, reduz-se ainda mais. Deixo de fora o ensaio académico feito por universitários, mas também aí as obras de qualidade escasseiam.
Estudiosos há, cuja actividade literária sai prejudicada da sua excessiva exposição política. Antes como agora. Estou-me a lembrar, por exemplo, do esquecido Fidelino de Figueiredo (1889-1967), que tem uma obra ensaística muito interessante sobre as literaturas comparadas peninsulares. E que é raramente referido.
Poeta estimável, Vasco da Graça Moura (1942-2014) incorreu no mesmo pecado de exposição partidária. Tradutor de grande mérito e crítico arguto, não o devemos esquecer, pese embora o seu polémico grau de intervenção política, em anos ainda recentes e talvez nem sempre pelas melhores causas...
Estes Discursos Vários Poéticos (Verbo, 2013) são no entanto obra limpa e valiosa. Desde os capítulos sobre tradução de poesia à síntese explicativa e brilhante da obra de Nemésio, passando por alguns concisos apontamentos sobre a poesia de Mourão-Ferreira e de Sophia. Não resisto, por saborosa, à transcrição que VGM faz, oblíqua a propósito dos portugueses, colhida em Fastigímia, de Tomé Pinheiro da Veiga:
Em descobrindo o Portugalete, se nos mostrou uma cara de vilãozinho, encarquilhada, mui trefo, tudo penedos escabrosos e montes, sem nenhuma lhaneza, muita silveira e a terra partida aos palmos com suas paredinhas, como quem diz: isto é meu, não é teu, não me furtes as minhas uvas.
Bem como esta afirmação polémica - com que aliás eu concordo - de sua lavra, numa avaliação comparada: "Essa palavra poética toca-nos não porque revela Deus, mas porque Nemésio era muito melhor poeta do que Régio ou Torga." (pg. 400)
Por estes e outros motivos, estimulantes, aqui venho recomendar este livro de ensaios de Vasco da Graça Moura. Tirará o seu proveito, quem o ler.