terça-feira, 19 de julho de 2016

Da leitura (14)


Ao seu romance Grande Sertão: Veredas (1956) chamou João Guimarães Rosa (1908-1967) "autobiografia irracional". Mas ele não destoa, de um modo geral, do registo da sua restante obra. A toda ela preside um tratamento onírico (poético?) da linguagem, onde o léxico antigo se mescla no regional, estrangeirismos sabiamente aportuguesados, convocando reminiscências sensoriais, sabedoria popular, mas também científica, num discurso que muitas vezes se assemelha ao piloto automático do surrealismo.
Por alguns aspectos os seus livros lembram-me, também, dois antigos escritores portugueses: Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515?-1585) e, um pouco menos, Francisco Manuel de Melo (1608-1666). Nas Comédias do primeiro são frequentes os bordões de linguagem, normalmente, provérbios que o escritor utiliza num encadeamento vertiginoso em que é difícil distinguir o que são as palavras do autor e a sabedoria ancestral e popular. Idêntico processo se verifica em algumas obras do poeta seiscentista.
Voltando a Guimarães Rosa, de que releio Grande Sertão: Veredas. É manifesto o uso de adágios, existentes, ou criados para o efeito da função de máximas, que asseguram (numa espécie de suspension of disbelief) ou fortificam o decurso da narração que é um prolongado contar de história, quase monólogo, saborosíssimo, aliás. Por aqui deixo 4 pequenos exemplos das primeiras páginas:
- "...quem mói no asp'ro, não fantasêia. ..." (pg. 11)
- "Sua alta opinião compõe minha valia." (pg. 11)
- "...passarinho que se debruça - o voo já está pronto!" (pg. 13)
- "Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal!" (pg. 14).

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