domingo, 1 de junho de 2014

A par e passo 92


Um Leonardo da Vinci pode existir nos nossos espíritos sem os ofuscar demasiado (...) Ele (da Vinci) guarda, com esse espírito simbólico, a mais vasta colecção de formas, um tesouro sempre claro das atitudes da natureza, um poder sempre iminente e que se engrandece segundo a extensão do seu domínio. Uma multidão de seres, um conjunto enorme de recordações possíveis, a força de reconhecer na extensão do mundo um número extraordinário de coisas distintas e de as configurar de mil maneiras. Ele é o mestre dos rostos, das anatomias, das máquinas. Ele sabe de como se faz um sorriso; (...)Ele manifesta-se no pequeno corpo «tímido e brusco» das crianças, ele conhece as restrições dos velhos e das mulheres, a simplicidade do cadáver. Ele detém o segredo de imaginar seres fantásticos cuja existência se torna provável e onde a razão dos seus componentes é tão rigorosa que sugere, em si, a vida e o natural do conjunto.
Ele faz um cristo, um anjo, um monstro usando aquilo que é conhecido, e que existe por todo o lado, mas numa ordem nova, aproveitando a ilusão e a abstracção da pintura, que não produz senão uma única qualidade das coisas, mas que as evoca a todas.

Paul Valéry, in Variété I (pgs. 226/7/8).

2 comentários:

  1. Em quase tudo concordo com Valéry, exceto nos rostos.

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  2. Creio que Valéry, em relação aos rostos, estaria a pensar nos esquissos do Codex Leicester (comprado por Bill Gates) e um outro Codex "Vinciano", que penso que está na Inglaterra.

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