sexta-feira, 11 de junho de 2010

Words, words, words (W. Shakespeare)



Somos também feitos de palavras. Que nos denunciam, nos marcam, que nos definem uma ética, um modo de ser, uma origem. E, muitas vezes, são o rosto mais profundo de uma atitude interior.
Herdei muitas palavras, antes de conquistar e me apropriar das minhas, e que me são próprias. Algumas das palavras herdadas não sei, já, de onde vieram - imagino que são do pequeno dicionário doméstico de infância, um triângulo quase todo de sangue: Guimarães, Braga e Vieira do Minho. Mas também houve pessoas que me deixaram apenas o silêncio sem palavras, um silêncio povoado de sorrisos ou de gestos confiantes e cúmplices.
Falarei apenas de algumas dessas palavras herdadas. Começarei por "bisegre" que é uma ferramenta de sapateiro, mas que se integrou, em mim, com o significado de: miúdeza ou coisa sem valor. Veio-me de uma Senhora octogenária, minhota, que ainda é viva. "Matarroano", que creio não existir em dicionário, com o significado de rústico, tosco, grosseiro - herdei-a de um amigo transmontano. A dupla "tropa-fandanga" ouvi-a, pela primeira vez, a um alentejano de Mértola, que passara pela vida militar. Adoptei-a também com o significado de grupo desorganizado e caótico. Depois, há palavras de intensidade afectiva. Como "estima" que eu conhecia, de há muito, mas que, em Maio de 1980, foi usada por alguém, com uma intensidade e claridade, totalmente novas para mim. Também a herdei, e guardo, e, quando a uso, faço-o com grande parcimónia e extremo respeito. Foi uma palavra que me foi crescendo, ao longo do tempo, no interior do coração.

P. S. : para H. N., que também pesa as palavras que usa.

4 comentários:

  1. Desconhecia apenas «bisegre». Quanto ao sentido da palavra «estima», a ideia que tenho é que se refere a um sentimento inferior à amizade. Estimar alguém é considerar essa pessoa, respeitá-la, mas não implica, necessariamente, gostar dela. Estou enganado? [A propósito disto ocorreu-me agora que há uns tempos li uma entrevista a Vasco Pulido Valente, que a dada altura referia ter tido necessidade de reler a obra de um dos grandes autores do Séc. XIX - já não recordo se seria Eça ou Camilo - e ficou surpreendido por ter constatado que teve necessidade de ir à procura do significado de cerca de 500 palavras, um número que lhe pareceu astronómico. Será que a língua está mesmo mais pobre?]

    ResponderEliminar
  2. Há não muito tempo, li que o vocabulário do jovem-americano-médio estava reduzido a cerca de 50 palavras. Creio que é um facto que todas as línguas estão a empobrecer e é uma tristeza percebermos que, a nível de ideias, representações mentais e sentimentos, o horizonte de variação seja cada vez mais limitado e "standardizado". Portugal acompanha, naturalmente. Há redutos e ilhas sobreviventes do que, hoje, será já um português arcaizante: Minho, Trás-os-Montes,´Beira interior, Açores e Madeira.
    Sobre "estima". O que c.a. refere, está rigorosa e classicamente certo: estima, menos que amizade.Mas contexto, memória e cenários podem alterar, subjectivamente, uma palavra. Esta "estima" de que falei tem origem na Beira interior. E pode ter um desenvolvimento insuspeitado e incontrolável,no tempo. É assim que eu a tenho como minha, hoje.

    ResponderEliminar
  3. Gostei de ler.

    Também costumo ter algum cuidado com as palavras.

    Tenho sempre o dicionário por perto, quando estou a ler qualquer coisa e pergunto, quando não sei. Por isso perguntei "bisegre".

    Obrigada

    ResponderEliminar
  4. Obrigado, Isabel.
    E foi importante ter perguntado, porque também me permitiu esclarecer o meu "apropriamento" subjectivo e alargado da palavra.

    ResponderEliminar