quarta-feira, 16 de junho de 2010

Lembrar David



Para lá da musicalidade dos seus versos e de um timbre clássico e estético que é transversal a toda sua obra, seja ela ensaio, prosa ou poesia, David Mourão-Ferreira (1927-1996) tinha também a capacidade rara e generosa de admirar os outros poetas e de os divulgar. Não é coisa pouca, neste nosso país. Nos 14 anos da sua morte, lembramos:
A Flor

Entre a erva dos nervos camuflada,
emboscada no túnel de uma veia,
a flor apenas rompe, deslumbrada,
quando o pinhal, à noite se incendeia...

Virá a converter-se em depressão,
enfarte do miocárdio, ou embolia,
no dia em que se apague esse clarão
com que a sua presença se anuncia...?

Mas numa artéria já sem movimento,
ou na erva dos nervos recolhida,
descobrirão a flor feita de vento
que em vida me deu morte e me deu vida...

Hão-de enterrar então a flor e o vaso.
E nunca mais ninguém alude ao caso.

3 comentários:

  1. Poema muito lindo.
    Pois é, David fez muito boas traduções de outros poetas, em boa hora publicadas pela Colóquio.

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  2. Eu também gosto muito deste soneto à inglesa, MR.
    Além disso, quis evitar a transcrição dos poemas mais "óbvios"...

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  3. E fez muito bem. Não conhecia este e é, de facto, muito belo.

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