segunda-feira, 30 de abril de 2012

Astrologias (12) : Touro


Já aqui se falou, em diagonal ("Coincidências", a 3 de Maio de 2011), do signo de Zodíaco do Touro, a propósito de três dos mais conhecidos governantes portugueses: D. João II, Marquês de Pombal e Salazar. Mas além de serem frequentes na política, também se interessam, normalmente, pela teoria do Poder (Maquiavel, Karl Marx).
O sentido prático da vida é, neles, habitualmente notável e uma marca constante. Mas também os dizem gulosos, comodistas e avarentos. Muitos dos mais famosos galãs do cinema eram deste signo: Tyrone Power, Gary Cooper, Jean Gabin e George Clooney. Na realização, inesquecível, Orson Welles, tão avantajado de corpo, como foi o compositor Johannes Brahms. Poucos pintores (Jasper Jones, Pedro Chorão), alguns poetas, nem sempre de primeira água: Garção, Jazente, Egito Gonçalves e Manuel Alegre.
Os nativos do Touro, embora lentos, possuem grande capacidade de trabalho (William Shakespeare, Balzac, Freud) e são analistas notáveis da alma humana. A garganta é normalmente o seu ponto físico mais sensível. Sob a influência de Touro, que é regido por Vénus, se encontram a Irlanda e a Suíça. E as cidades de Palermo e Leipzig. 

Jazz, no seu Dia Internacional

Há várias razões para esta escolha não totalmente canónica. A primeira, é gostar do Concerto de Aranjuez, composto pelo espanhol Joaquín Rodrigo (1901-1999), em 1939. A segunda razão é que, não sendo grande apreciador de Jazz, gosto de algumas obras de Miles Davis (1926-1991) que trabalhou esta versão em 1959.
Finalmente, porque numa entrevista não muito antiga, Miguel Portas (1958-2012), sendo-lhe perguntado sobre as suas preferências musicais, indicou o Concerto de Aranjuez, na versão de Miles Davis, como uma das suas peças musicais preferidas. Assim, aqui fica, no Dia Internacional de Jazz, que hoje se celebra.

Notas de Leitura IV: Jacob Rodrigues Pereira




A estela e o medalhão existentes na Praça Jacob Rodrigues Pereira, em Peniche, pressupõem-no nascido nas Berlengas, mas o primeiro reeducador de crianças surdas e mudas em França, que sempre se afirmou português, nasceu de facto em Espanha, na aldeia de Berlanga, em 1715 e morreu em Paris em 1780, sem que conste ter estado alguma vez em Portugal.
Jacob Rodrigues Pereira – Homem de bem, judeu português do séc. XVIII, primeiro reeducador de crianças surdas e mudas em França, estudo biográfico de Emílio Eduardo Guerra Salgueiro, editado em 2010, pela Fundação Calouste Gulbenkian, proporciona ao leitor, através da profusa documentação que o integra, não apenas o conhecimento das várias facetas da vida e da actividade daquele judeu português, mas também uma visão aprofundada acerca da condição dos judeus em Portugal, e em Espanha, no século XVIII, sobre o “modus operandi” dos inquisidores e sobre o comportamento das vítimas: as suas fraquezas, os seus actos de delação, o sofrimento, a iniquidade das acusações, a perversidade das penas.
Para tal, a obra de Emílio Salgueiro remonta, de facto, a 13 de Abril de 1699, quando “um grupo de quarenta e oito portugueses, na maioria de Trás-os-Montes, embarca em Lisboa no barco genovês N. Srª de la Coronada (...) com destino ao porto de Livorno, em Itália”, naquilo a que poderíamos chamar uma fuga para a dignidade.


Conquanto o biografado, já nascido em Espanha, não tenha vivido o período mais negro da vida dos seus pais, e que se seguiu à prisão destes, pela Inquisição, em Cádis, as informações e os documentos, patentes nesta obra, e que nos dão conta quer das ‘memórias’ apresentadas à Academia Real das Ciências de Paris, quer dos registos notariais com que procurou comprovar e atestar o método de reeducação que desenvolveu, quer a forma como preparou a apresentação do seu aluno Azy d’Étavigny na corte de Luís XV, bem como os seus projectos de construção de uma máquina aritmética, de um engenho que suprisse a acção do vento nas grandes embarcações, em situações de calmaria, de um dicionário das 13 principais línguas da Europa e, também, da sua intensa actividade diplomática, na qualidade de “agente das nações portuguesas”, isto é , de representante das comunidades de judeus portugueses em França, e que culminou com a aquisição de um terreno destinado a cemitério dos judeus portugueses em Paris, traduzem, para além de óbvia tenacidade de Jacob Rodrigues Pereira, a sua condição de homem do Iluminismo: o seu pragmatismo, o seu racionalismo, a forma como construía as soluções a partir da análise objectiva e rigorosa dos problemas e como procurava, em todas as situações, controlar os factores de incerteza, prevenir a desconfiança e a herança do preconceito.
Assim, as linhas que vão emergindo da obra de Emílio Salgueiro correspondem, dir-se-ia, ao retrato comovido de um português em que se materializou o espírito das Luzes e a marca do bem comum, bem como uma ideia de biografia em que História e circunstância mutuamente se elucidam.
Nesta perspectiva, são particularmente significativas, para além das comunicações do próprio Jacob à Academia Real das Ciências, o relatório elaborado pela comissão de sábios encarregada pela Academia de examinar e de avaliar os resultados obtidos com o método que desenvolveu, os textos publicados, entre outros, no Mercure de France, no Journal de Savants e no Journal de Verdun, a carta enviada pelo irmão de Jacob, à mãe, então a residir em Bordéus, descrevendo, em pormenor, a audiência concedida por Luís XV e o sucesso de Jacob ao apresentar perante o rei de França e a corte os resultados do seu método, na pessoa do seu aluno Azy d’Étavigny, a referência de Buffon, na sua História Natural, ao método de ensino de surdos-mudos desenvolvido pelo português e o reconhecimento régio, consumado em 1750, com a atribuição de uma pensão de 800 libras.


A par de uma minuciosa investigação historiográfica e seguindo, entre outros, os trabalhos de E. Séguin e de E. La Rochelle, sobre a vida e a actividade de Jacob Rodrigues Pereira, a obra de Emílio Salgueiro dá-nos a ver, por entre rivalidades, controvérsia e contestação, apogeu e declínio, o retrato intelectual de alguém que se afirmou pelo mérito, de alguém para quem o conhecimento procede da razão, da observação e da experiência e está na raiz da autonomia do ser humano, de alguém que se pode filiar numa vertente de pensamento livre e de racionalismo, que a tradição judaica também comporta, e que terá em Espinosa, porventura, o seu mais relevante exemplo.
“Séguin afirma que o Jacob conseguia ensinar a falar aos surdos e mudos por ter descoberto a lei da identidade das percepções sensoriais, o que designaríamos hoje, talvez, como a descoberta das sinestesias na construção dos mapas tanto do mundo exterior, como do mundo interior. E prossegue Séguin, dizendo que Jacob não acreditava que a palavra estivesse inteiramente contida na articulação, procurando, por isso, cultivar nos seus alunos a voz humana e natural, ao ponto de lhes transmitir o seu próprio sotaque estrangeiro (...). Ensinava a articulação pela vista, pelo tacto, pela memória dos movimentos dactilológicos, a voz humana pela percepção táctil das vibrações sonoras, a entoação pelo gesto e o sotaque pela medida”.
Como se vê aquilo que Jacob Rodrigues Pereira pretendia era que os seus alunos descobrissem por si próprios, através da observação e pela experiência da interacção com os outros (pela expressão, pelo movimento dos lábios, pelo gesto) uma certa  inteligibilidade do mundo, um sentido das palavras que está para além do seu referente. E é, por assim dizer, essa dimensão ‘oculta’, inexplicável e, porventura, inata, da aptidão humana para a palavra, que o método de Jacob Rodrigues Pereira torna evidente e que o depoimento de Saboureux de Fontenay, aluno de Jacob, numa carta datada de 1764, sublinha: “Do mesmo modo como uma criança aprende o francês, M. Pereire dedicara-se em primeiro lugar a dar-me a inteligência das palavras de uso diário e as frases mais vulgares (...). Achando que eu já estava suficientemente a par dos diálogos de uso diário, evitou gesticular à minha frente, ao mesmo tempo que me falava pelos dedos com o alfabeto à espanhola, que tinha aumentado e aperfeiçoado: a finalidade era acostumar-me melhor à linguagem e fazer-me perder o hábito de falar através de sinais à minha maneira; exercitar-me melhor a perceber as frases familiares, aprontar-me a executar todo o tipo de coisas, de acordo com o sentido que tomasse no meu espírito a linguagem que tivessem usado para exprimir o que pretendiam de mim; responder sozinho às perguntas fáceis e às difíceis, pensar por mim próprio”.
Partindo de uma detalhada observação da realidade, que o leva a distinguir diferentes graus de surdez nos seus alunos, Jacob Rodrigues Pereira aperfeiçoa o seu método adaptando-o às características de cada aluno ou, melhor dizendo, às possibilidades de aprendizagem de cada um. E, nessa medida, poderemos, talvez, dizer que o sucesso do seu método depende mais da capacidade do mestre do que, porventura, das potencialidades do aluno, pois como sugerem as palavras de Emílio Salgueiro, referindo Renée Neher-Berheim, o ‘segredo’ do método de ensino de Jacob parece residir “(n)o modo e (n)a intensidade com que se ligava aos seus alunos a quem tratava como pessoas completas, a excelente relação afectiva que com eles conseguia criar, propiciadora de um aprendizado entusiasmado das técnicas de desmutização e de um crescimento moral e cívico”.
Consciente de que algo mais do que o meramente mecânico e o meramente instrumental intervêm no acesso à palavra, algo que só a convocação da inteligência, da memória e dos restantes sentidos seria capaz de completar, o método de Jacob Rodrigues Pereira procura, apoiando-se numa certa pragmática da comunicação, incitar os alunos a tirarem partido de todas as vertentes expressivas da natureza humana, de forma a suprirem a carência do ouvido; dir-se-ia querer estimular em cada aluno a capacidade de mobilizar, pela vontade, a plasticidade da própria inteligência e fazê-lo descobrir desse modo ignoradas capacidades, susceptíveis de o resgatar de uma suposta fatalidade divina.
Falamos de uma perspectiva de aperfeiçoamento humano à maneira do Iluminismo, de uma atitude que não pretendia salvar a alma dos surdos-mudos (até então, diga-se, escondidos como fruto de um pecado, como expiação de uma culpa sem motivo) mas tão só devolver-lhes, como nos casos de Aaron de Beaumarin, de Saboureux de Fontenay, de Azy d’ Étavigny e de Marie Maurois, um outro sentido da vida, para além dos sinais à maneira de cada um, permitir-lhes conquistar, pelo acesso à palavra falada, a autonomia, a dignidade social e uma outra inserção no mundo, que só pela fala e pelo entendimento da palavra própria e alheia, porventura, se alcança.


E talvez por tudo isto se explique a circunstância de Jacob Rodrigues Pereira se ter também empenhado, a par da sua acção como representante dos judeus portugueses em França e da actividade de reeducação de crianças surdas-mudas, no desenvolvimento de outros projectos científicos, pois essas actividades, por assim dizer, de contraponto, traduzem claramente, por um lado, o pendor científico da sua personalidade intelectual e, por outro, a ideia de pertença ao ambiente moral e intelectual de um tempo em que o saber deixa de ser apenas invocado, para passar a ser também escrutinado e demonstrado na sua dimensão de eficácia social: um contexto histórico em que os ideais de progresso e de liberdade humana começam a despertar e a fazer o seu caminho.
O facto de ter conseguido demonstrar que, apesar das limitações próprias e óbvias era possível transformar um surdo-mudo num surdo falante, e que é, por certo, a sua mais importante e fecunda herança, a vida e a acção de Jacob Rodrigues Pereira, revelam-se-nos, nesta obra de Emílio Salgueiro, através de um nítido paralelismo entre a condição dos judeus e a condição dos surdos-mudos na Europa na segunda metade do século XVIII, e o propósito de um homem de bem de os querer resgatar, a judeus e surdos-mudos, dos atavismos da injustiça, da tutela do preconceito, do sofrimento sem motivo e da tenaz da indignidade.

Post de H. N.
Nota: O ARPOSE agradece, cordialmente, a H. N. mais esta atenta leitura. 

domingo, 29 de abril de 2012

2 poemas traduzidos de Tahar Djaout


Tahar Djaout (1954-1993), poeta, jornalista e romancista argelino, de língua francesa, sempre defendeu um estado laico para a sua pátria. Pela defesa e intransigência das suas ideias, foi vítima de um atentado levado a cabo pela Front islamique du salut (FIS), tendo morrido pouco tempo depois.
Os dois poemas (1989?) pertenciam a uma colectânea intitulada Pérennes. Seguem na versão portuguesa.

História

classificar a galeria de esqueletos.

refazer as datas à sua maneira.

apagar o precedente.

o patriotismo é um ofício.

Geografia

a esperança
e o seu pescoço longilíneo
de besta insaciável.

a promessa
e o seu sabão
que vai ungir as feridas.

o discurso
e o seu glossário
de vitaminas.

a paciência
e as salas de espera
obstruídas.

a cidade está imóvel
com medo de perturbar os ministérios
e a quietude dos epitáfios.

Ainda 3 notas breves à morte de Miguel Portas

1. É singular e único que a morte e memória  de um Homem consiga congregar, livremente, num mesmo sentimento de pesar e homenagem, pessoas tão diversas que vão da Direita até ao extremo quadrante da Esquerda, ideologicamente.
2. Humaníssimos, inteligentes, emocionados os discursos de João Semedo, Francisco Louçã e Paulo Portas. O mérito não terá sido dos oradores, na homenagem no Teatro S. Luís, mas do Homem a quem se referiram - Miguel Portas (1958-2012).
3. A política nacional, e a de esquerda em particular, perdeu um dos seus mais lídimos representantes na res publica e no diálogo plural, generoso e leal das ideias democráticas.

Pelo Dia Internacional da Dança

Com música de René Aubry e coreografia de Carolyn Carlson, inspiradas em poemas de Fernando Pessoa, esta interpretação de Marie-Claude Pietragalla, pelo Dia Internacional da Dança.

Para MR, em geminação com o Prosimetron, via R. Aubry.

Incursões Culinárias 14: Pão e companhia



Já há algum tempo que ando com vontade de fazer pão a sério. Recentemente, comecei com uma variante pequena, pãezinhos de leite com passas, para o pequeno almoço. Quem comeu, aprovou, e eu acrescentei mais uma faculdade, a de padeira. Faltava, no entanto, fazer pão. O novo livro de receitas acima reproduzido, que recebi de presente, veio mesmo a calhar, pois tem uma receita de pão.


Hoje resolvi, então, fazer pão. A quantidade da massa deu, no entanto, para dois pães. Estão na cozinha, em cima de uma pedra, a arrefecer e apresentam-se bem:


E bom jantar !

Post de HMJ

"Avant la pluie" de René Aubry

Parece que vai chover, e durante vários dias, o que não é de todo anormal no Abril "de águas mil". Recomendo resignação...e filosofia.

Nortenhas e populares (quadras) 15


Ainda mais três quadras populares da freguesia de Sta. Marta do Bouro (Amares):

Saudades d'horas felizes,
Julga-se triste quem tem,
Mais triste é não ter saudades
De nada nem de ninguém.

Meninas do outro lado,
Com que lavais o cabelo?
- Com as ervinhas do monte
Chamadas o tromentelo.

Estes mocinhos d'agora
São franguinhos de vintém,
Prometem dez réis ao Santo
A ver se a barba lhes vem.

Nota: não consegui apurar, com rigor, o significado da palavra "tromentelo". Arrisco a que seja uma corruptela, popular, de tormentina ou tormentilha, sinónimos de Sete-em-rama (Houaiss), da família das rosáceas.

Sobre a simplicidade


A frase é pequena e clara: "a felicidade faz-se de pequenas coisas". Mas completa-se com outra de Alain (1868-1951), pseudónimo do francês Émile-Auguste Chartier: "O espírito mais jovem pensa sem argumentos nem provas". E esta sabedoria que parece pobre e evidente, é preciso que nos chegue à voz, vinda da realidade objectiva, para se tornar nossa, verdadeiramente.
O primeiro livro de Eugénio de Andrade, que me chegou à mão (Antologia, Delfos, 1961), não me deixou uma impressão marcante. Da leitura, quase arrogante resumi: "...água chilra". Eu ainda estava possuído das exclamativas de Régio, ditas por Villaret, de Junqueiro, das estridências de Ary dos Santos, e muito curioso do hermetismo de Herberto Helder. Só mais tarde vim a compreender que, por detrás da simplicidade poética de Eugénio, há muito trabalho, muita experiência amassada pela vida, muita atenção às coisas humanas, à Natureza, a tudo aquilo que nos rodeia. Como nos haiku japoneses.
Por isso quando, há dias, num frutuoso diálogo com H. N., falamos de Alain, ele soube explicar-me, com a sua capacidade inata para ler ensaio, as virtualidades subtis do pensador francês que influenciou tantas gerações. Resumiu (por palavras minhas) a obra de Alain, como a rara qualidade de pensar o quotidiano e de o interpretar. Foi, para mim, um clique importante.
Está por isso na hora de eu voltar a lê-lo. Mas com mais atenção.

para H. N., grato.

sábado, 28 de abril de 2012

Preisner : Despedida de "10 peças fáceis para piano"

Bibliofilia 62 : Píndaro



Este pequeno folheto de 16 páginas de bom e encorpado papel, embora com impressão excessivamente carregada, é o resultado de uma parceria poética entre dois primos, e foi editado há quase duzentos anos. António Maria do Couto (1778?-1843) de quem já falamos aqui (Bibliofilia 25, em 11/8/2010) traduziu, em prosa, esta ode de Píndaro, e Manuel Pedro Tomás Pinheiro e Aragão (1773-1838), seu primo, pô-la em verso português. Em parceria, também, compuseram um soneto em dedicatória ao doutor Francisco José de Almeida, provavelmente porque terá sido ele o mecenas que pagou esta edição de 1816.
Nem todos conseguiriam perceber e ler, em grego, esta obra de Píndaro, por isso o trabalho foi, sem dúvida, meritório, muito embora Inocêncio, no tomo VI (pg. 77) do seu Dicionário, classifique Manuel Aragão de "poeta medíocre", na sua habitual franqueza crítica.
O folheto encontra-se em magníficas condições de conservação e custou-me, há dias, 3,50 euros. Ao preço a que estão os livros e mais barato do que um maço de tabaco, achei o dinheiro, que dei por ele, por bem empregue.

Um roteiro sucinto lisboeta



Não será completo este itinerário. E, nalguns casos, estará um pouco desactualizado, mas é sempre útil. Pessoalmente, eu acrescentaria, para livros usados em geral, que não raros, a livraria "Barateira", na Rua Nova da Trindade; e ainda a Livraria "Antiquária do Calhariz", no Largo homónimo, a "Olissipo", no Largo Trindade Coelho. E, finalmente, a Livraria Campos Trindade, na Rua do Alecrim, nº 44.
Entretanto, a "Artes & Letras" já não tem a dirigi-la o simpático Luís Gomes. E a "Histórica e Ultramarina", pouco depois da morte do Sr. José da Costa e Silva [ Almarjão ] (3/1/1920 - 7/11/2008), fechou - estas as actualizações de um percurso lisboeta, para quem goste de livros.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Da janela do aposento 8: Cultura e Pátria



Os meus leitores atentos compreendem, certamente, que uma vivência entre dois espaços geográficos diferentes enriquece, sobretudo, o próprio indivíduo, embora a figura do “forasteiro” levante suspeitas, ridículas, a determinadas alminhas de menoridade que, infelizmente, tive que enfrentar com alguma frequência no passado.
Seria, porventura, pedir muito a determinadas pessoas que entendessem uma diferença de escala entre Cultura e Pátria. A Humanidade, como raiz da cultura europeia, manifesta-se, com variantes, a um nível inferior da Pátria, i.e., nos diversos espaços geográficos que constituem a Europa.
Com efeito, a confusão conceptual, ou a ignorância cultural e histórica – velada ou verdadeira – cerca-nos diariamente. Perante os discursos confrangedores ou sobranceiros, de “altas figuras do estado”, rebaixando o Sul perante determinada prepotência do Centro da Europa, as instituições de cultura definham, o ensino anula-se e os meios de comunicação alinham-se.
Não é por acaso que, ainda, me faça eco de algumas notícias, publicadas no jornal alemão DIE ZEIT, pelo esforço de manter uma informação plural sobre a riqueza cultural e histórica dos diversos espaços geográficos europeus. Assim sendo, e com algumas ingenuidades próprias do “olhar de pássaro”, recomendo um artigo sobre Lisboa: http://www.zeit.de/reisen/2012-04/lissabon-im-netz com várias ligações a páginas virtuais que, certamente, permitam uma visão diferente sobre a capital portuguesa pela positiva.

Post de HMJ

Música Medieval Inglesa

Um livro precioso


Deu-me grande satisfação, hoje, saber que a Fortaleza da Torre Velha, onde Francisco Manuel de Melo esteve preso, próximo de Almada, foi classificada como Monumento Nacional. É uma construção única da arquitectura militar portuguesa, projectada no tempo e sob a traça avisada de D. João II (já aqui falei, no Blogue, desta Torre singular). A última vez que lá estive, fiquei consternado, porque a decadência era muita. Pode ser que, agora, sendo Património reconhecido e nacional lhe restituam a dignidade perdida. Porque, nem sempre, os portugueses sabem estimar e conservar os bens preciosos que nos vieram dum passado que, em muitos aspectos, foi rico e grandioso.
Por outro lado, e quase em simultâneo, tive conhecimento, através do TLS, que a British Library, com o contributo de vários mecenas, conseguiu adquirir por cerca de 9 milhões de libras (à volta de 11 milhões de euros) o famoso e único Cuthbert Gospel of St. John. É um livro de mão ( ou de bolso: 13,2 por 9,2 cm.) manuscrito do sec. VII e pertencia ao Stonyhurst College, instituição dos Jesuítas, no Lancashire. O manuscrito encontra-se intacto e com a encadernação da época. Terá sido colocado, em 687, no túmulo de S. Cuthbert, daí foi retirado em 1104, e bastantes anos depois foi entregue aos Jesuitas ingleses. O preço vultuoso da venda coloca este este livro manuscrito como o 2º mais caro, desde sempre.
Acrescente-se que, após a compra, a 17 de Abril de 2012, a British Library o vai mandar digitalizar. O que é uma óptima notícia para os estudiosos e bibliófilos interessados.

De Diogo Brandão

Este poeta do Cancioneiro Geral, Diogo Brandão, pertenceria a uma família do Porto, e faleceu pouco antes de Agosto de 1529, ou em 1530, como Jorge de Sena refere. Terá sido criado na corte de D. João II. E Garcia de Resende incluiu várias composições suas na colectânea que organizou. Fez bem, porque Diogo Brandão é um poeta estimável. Segue uma esparsa de sua autoria.

Esparsa sua a uma senhora que se chamava "da Costa"

Quem bem sabe navegar
pola vida segurar,
a esperança tem posta
dentro no pego do mar,
mas aqui por se salvar
deve certo vir à Costa.
Porque, posto que naquela
de vivo se veja morto,
ganha-se tanto por vê-la
qu'é milhor perder-se nela
que salvar-se noutro porto.

Schubert/ Liszt/ Bolet

Suma de um percurso musical amador


Ao princípio era o Verbo, quero eu dizer plagiando o Evangelho, foi Beethoven. A Nona e o concerto nº 1 para Piano - daqueles que ficaram até hoje. Só nos anos 80 descobri a beleza do concerto nº 5. Entretanto, Bach, Vivaldi e Mozart, por esta ordem, no crescer da idade. Mas, pelos 20 anos, as aberturas de Rossini e as danças húngaras de Brahms, também fizeram mossa...
Franz Liszt foi já uma descoberta da maturidade, através do pianista canadiano Louis Lortie a interpretar o 2º ano da "Peregrinação". Com ele, deu-se o despertar da minha atenção para com os intérpretes, sobretudo pianistas: Solomon, Bolet, Lipati, Cortot, Schnabel e, pricipalmente, o genial Alfred Brendel. Através deles, cheguei a Schubert, já tarde. E pela mão de Bolet na interpretação de "Auf dem Wasser zu singen" numa das admiráveis transcrições de Liszt. Com as transcrições da "Norma", são talvez as peças musicais, para piano, de que mais gosto. E não me canso de ouvir.
Perdoem-se as omissões involutárias, naturais, em qualquer inventário sucinto.

Algumas castas de uvas portuguesas


As castas de uvas portugueses são numerosas, e já aqui no Blogue falamos desse facto. As autóctones ultrapassam largamente a centena e meia, muito embora de região demarcada para outra região demarcada, os nomes das mesmas castas assumam nomes diferentes, por vezes. Por exemplo a Tinta Roriz, do Douro e Dão, no Alentejo denomina-se Aragonez. E, também, a mesma casta pode ter mais do que um nome, como é o caso da Periquita que também é chamada Castelão ou Castelão Francês. Por outro lado, há classificações ou nomes curiosos e exóticos, o que prova a imaginação criativa do povo português. Vamos por isso referir alguns nomes mais interessantes, numa pequena amostra desta onomástica singular das castas de uvas portuguesas:
1. Região dos Vinhos Verdes: Avesso, Pedernã, Trajadura, Espadeiro.
2. Na região do Douro: Tinta Amarela (que existe também no Dão), Tinto Cão.
3. Região do Alentejo: Borrado das Moscas, Rabo de Ovelha, Roupeiro.
Como sempre, o Alentejo leva a melhor na nomenclatura nacional...

René Aubry / Carolyn Carlson


para MR, que gosta de Ballet.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Nomes


 Já em tempos aqui referi que, antigamente, muitos dos nomes dos pais se transformavam, numa espécie de plural, em apelidos dos filhos, deste modo indicando a sua origem ou paternidade. Assim, por exemplo: Nuno/ Nunes, Henrique/ Henriques...
Hoje tive à mão um livro francês ( Origines des noms de personnes, de Pierre Chessex) que explicava a origem e até o significado de alguns nomes gauleses. Dos que anotei, aqui segue uma parte:
-Agnés (Inês): pura e casta.
-Albert ou Adal-berhto (Alberto): de origem germânica (Albrecht) - de brilhante nobreza.
-Albinus (Albino): de tez clara.
-Casimir (de origem polaca): o que prega a paz.
-Denys, Denis (Dinis): consagrado a Dionisus ou Baco.
-Iphigénie (Ifigénia): mulher de queixo pronunciado.
-Marcus, Marc (Marco): martelo.
-Romeu: está ligado a peregrino, romeiro.
-Théophile (Teófilo): amado de Deus.
-Victor: significava o vencedor.

Uma capa


Não sendo uma revista para rir, a capa do último "Le Nouvel Observateur" é muito bem apanhada. Limita-se a ilustrar uma frase de Nicolas Sarkozy, que dizia nos últimos dias da campanha eleitoral que "sentia uma vaga de fundo". Essa onda, afinal, foi pequena e não o levou senão à 2ª posição, nos resultados da primeira volta...

Citações XCVIII : Théodore Gericault


"Pintar não é dar a ver o que é visto, mas fabricar o olhar."
Théodore Gericault (1791-1824).

Nota: em imagem, "Le derby d'Epsom" (1821).

Philip Glass : abertura de "La Belle et la bête"

Os pássaros


A pomba, defronte, durante alguns minutos, conserva as distâncias do pombo que a requesta - até que cede. Outras duas, discretas e alheias ao namoro, ocupam-se da sobrevivência bicando o peitoril de mármore, talvez enchendo a moela de pequenos grãos.
O melro do Jardim de Farrobo (?) saltita entre 2 antenas enferrujadas mas, hoje, não canta. As gaivotas desampararam da paisagem. Uma andorinha solitária esvoaça, nervosa, a meia altura. E dois pardais cruzam o azul cinzento num assobio chilreante.

Adagiário XC


"Braga reza, Porto trabalha, Coimbra estuda, Lisboa dorme."

Nota: o dito talvez mais conhecido sobre Braga é: "mais velho do que a Sé de Braga". Mas o provérbio anterior foi, com certeza, imaginado por alguém do Norte.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Adriano Correia de Oliveira

Lisboa 74 - Cinema militante (3, e último)



Nota de 2/12/17 : o vídeo inicial foi sugado pelos "suspeitos do costume", pelo que tive de o substituir por uma versão resumida, muito inferior ao vídeo primitivo. Lamento, mas a culpa nem é minha. Nem se calhar é do Eduardo Geada.

A melhor da semana (para mim)


A composição é de "Le Nouvel Observateur", e magistral como retrato de família. Dispensa comentários, embora possa notar-se a ausência de Serge Gainsbourg, que seria a ovelha negra do clã, para remate.

Lisboa 74 - Cinema militante (2)

Uma louvável iniciativa (8)



Numa breve estadia, no Porto, para matar saudades humanas, geográficas e artísticas, tive ocasião de me aperceber que, nalgumas zonas tripeiras, a degradação das casas e edifícios é, provavelmente, muito superior à de Lisboa.
Não terão, no entanto, os portuenses razões para se queixar por falta de apoios e materiais (mas talvez por falta de dinheiro) para reconstruir, requalificar e restaurar as suas casas velhas. Numa louvável iniciativa, a Câmara Municipal do Porto criou, em 2010, o "Banco de Materiais", na Praça Carlos Alberto, e sediado no antigo palacete dos condes de Balsemão.
Aí, o munícipe poderá adquirir azulejos (até do séc. XVIII), telhas, batentes de porta antigos, ferros forjados e muitos outros elementos decorativos para restaurar as suas velhas casas decadentes, com materiais da época. E gratuitamente, desde que comprovem as obras a fazer.
Todos estes materiais foram recolhidos e recuperados de casas já demolidas. Todo o material está exemplarmente classificado e organizado "ao milímetro". E dá gosto vê-lo, sobretudo os azulejos, muitos deles de grande beleza.

Lisboa 74 - Cinema militante (1)

Lembrar

Filatelia XXXVIII : 25 de Abril e Constituição Portuguesa


Em imagem, séries filatélicas da temática do 25 de Abril, emitidas em Dezembro de 1974 e para celebrar o 1º aniversário da Revolução dos Cravos, em 1975. O último selo, de 1976, foi posto a circular em Novembro de 1976, para comemorar a promulgação da nova Constituição Portuguesa.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Incursões Culinárias 13: Doçaria de Guimarães

Durante um passeio pela Cidade Europeia da Cultura, encontrámos, na Rua da Rainha, em Guimarães, um novo espaço do Centro Cultural Vila Flor. Uma loja agradável, dedicada ao artesanato e às memórias vimaranenses. Do "Bordado de Guimarães" reproduzo o folheto, bonito e bem feito, que acompanhava as peças em exposição.


No entanto, o achado maior foi a publicação recente, já em 2012, de um livro sobre a "Doçaria de Guimarães".

Para além de contar a história dos docinhos típicos vimaranenses, o livro apresenta receitas familiares, de cadernos manuscritos, das famílias Sampaio da Nóvoa e Freitas do Amaral. "A cereja em cima do bolo" é, sem dúvida, a receita das famosas "Tortas de Guimarães", acompanhada de fotos muito elucidativos sobre o modo de fabrico, desfazendo, assim, um dos segredos mais bem guardados no passado.


O meu exemplar já fez sucesso, em poucos dias, junto de vários amigos, motivo pelo qual pretendo compartilhá-lo com os leitores do ARPOSE e, muito especialmente com MR.
Como nota final acrescento que a Editora Despertar Memórias é uma iniciativa recente de vimaranenses convictos e ligados à cultura da cidade-berço. Existem outras publicações sobre memórias de Guimarães e culinária. O catálogo das edições encontra-se no site: http: // despertar-memorias.com.

Post de HMJ, dedicado a MR

Liberdade


Não havia senão meia-liberdade. Era assim a concessão extrema. Meia liberdade para o homem em movimento. Meia-liberdade para o insecto que dorme e espera na crisálida. Fantasma, precisamente a lembrança, a liberdade no tumulto. A liberdade estava por cima duma massa de obediências dissimuladas e de convenções aceites sob os traços dum engôdo irrepreensível.
A liberdade pode ser encontrada no coração daquele que nunca deixou de a querer, de a sonhar, que a conseguiu contra o crime.

René Char, in Le Nu  Perdu (1964-1970).

Um voz inteligente e livre


Foi com tristeza que tomamos conhecimento, hoje, da morte, em Antuérpia, de Miguel Portas (1958-2012). Uma voz livre e democrática que nos ajudava a pensar, solidária e politicamente, o futuro de Portugal.

Manifesto da Associação 25 de Abril


Abril não desarma
Há 38 anos, os Militares de Abril pegaram em armas para libertar o Povo da ditadura e da opressão e criar condições para a superação da crise que então se vivia.
Fizeram-no na convicta certeza de que assumiam o papel que os Portugueses esperavam de si.
Cumpridos os compromissos assumidos e finda a sua intervenção directa nos assuntos políticos da nação, a esmagadora maioria integrou-se na Associação 25 de Abril, dela fazendo depositária primeira do seu espírito libertador.
Hoje, não abdicando da nossa condição de cidadãos livres, conscientes das obrigações patrióticas que a nossa condição de Militares de Abril nos impõe, sentimos o dever de tomar uma posição cívica e política no quadro da Constituição da República Portuguesa, face à actual crise nacional.
A nossa ética e a moral que muito prezamos, assim no-lo impõem!
Fazemo-lo como cidadãos de corpo inteiro, integrados na associação cívica e cultural que fundámos e que, felizmente, seguiu o seu caminho de integração plena na sociedade portuguesa.
Porque consideramos que:
·  Portugal não tem sido respeitado entre iguais, na construção institucional comum, a União Europeia.
·  Portugal é tratado com arrogância por poderes externos, o que os nossos governantes aceitam sem protesto e com a auto-satisfação dos subservientes.
·  O nosso estatuto real é hoje o de um “protectorado”, com dirigentes sem capacidade autónoma de decisão nos nossos destinos.
·  O contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo poder. As medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana.
·  Sem uma justiça capaz, com dirigentes políticos para quem a ética é palavra vã, Portugal é já o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais.
·  O rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho.
Entendemos ser oportuno tomar uma posição clara contra a iniquidade, o medo e o conformismo que se estão a instalar na nossa sociedade e proclamar bem alto, perante os Portugueses, que:
A linha política seguida pelo actual poder político deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa;
- O poder político que actualmente governa Portugal, configura um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores;
Em conformidade, a A25A anuncia que:
- Não participará nos actos oficiais nacionais evocativos do 38.º aniversário do 25 de Abril;
- Participará nas Comemorações Populares e outros actos locais de celebração do 25 de Abril;
- Continuará a evocar e a comemorar o 25 de Abril numa perspectiva de festa pela acção libertadora e numa perspectiva de luta pela realização dos seus ideais, tendo em consideração a autonomia de decisão e escolha dos cidadãos, nas suas múltiplas expressões.
Porque continuamos a acreditar na democracia, porque continuamos a considerar que os problemas da democracia se resolvem com mais democracia, esclarecemos que a nossa atitude não visa as Instituições de soberania democráticas, não pretendendo confundi-las com os que são seus titulares e exercem o poder.
Também por isso, a Associação 25 de Abril e, especificamente, os Militares de Abril, proclamam que, hoje como ontem, não pretendem assumir qualquer protagonismo político, que só cabe ao Povo português na sua diversidade e múltiplas formas de expressão.
Nesse mesmo sentido, declaramos ter plena consciência da importância da instituição militar, como recurso derradeiro nas encruzilhadas decisivas da História do nosso Portugal. Por isso, declaramos a nossa confiança em que a mesma saberá manter-se firme, em defesa do seu País e do seu Povo. Por isso, aqui manifestamos também o nosso respeito pela instituição militar e o nosso empenhamento pela sua dignificação e prestígio público da sua missão patriótica.
Neste momento difícil para Portugal, queremos, pois:
1. Reafirmar a nossa convicção quanto à vitória futura, mesmo que sofrida, dos valores de Abril no quadro de uma alternativa política, económica, social e cultural que corresponda aos anseios profundos do Povo português e à consolidação e perenidade da Pátria portuguesa.
2. Apelar ao Povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a democracia.
Viva Portugal!

Nota: na eventualidade de alguns dos nossos amigos, ou visitantes, não terem tido acesso a este documento da Associação 25 de Abril, aqui o reproduzimos. Mais se informa que Mário Soares e Manuel Alegre tomaram posição, solidarizando-se com este Manifesto e não vão participar nas cerimónias oficiais do 25 de Abril, marcando assim uma opção política.

Não vá o diabo tecê-las...


Mais vale prevenir, sobretudo, nos tempos que correm...

com agradecimentos a AVP, com abraço abrilino...

Regionalismos minhotos (15)


Inicia-se, hoje, a escolha de regionalismos iniciados pela letra M e recolhidos da obra já referida, anteriormente:

1. Macareno - de má cara, velhaco, biltre.
2. Machuca - pedra, calhau de arremesso.
3. Malhão - estúpido, grosseiro, maçador.
4. Malota - corcunda.
5. Mamujar - falar baixo.
6. Mandil - avental.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Zbigniew Preisner / Teresa Salgueiro

Fragmento de poema para o Dia Mundial do Livro


"Consideremos os codicilos, as letras que principiam a alongar-se como sombras, talvez
as sementes firmes; para além disto apenas gostaríamos de imaginar os que pelo uso
da escrita se inclinaram e aprendem assim a sua cegueira última, porque não são os autores
do que escreveram, mas os que se apresentam como intermediários, ao entregar
o leve vestígio do que foi concebido. Sabemos como procuraram
o especioso caminho que nos conduz ao que se torna no início
de uma voz, esse estremecimento que existe em qualquer fruto para que se desprenda
devagar, ao pressentirmos como se apoderaria dele um novo sentido; era
talvez a sua límpida submissão, o modo como oscilam estes caracteres, ..."

Fernando Guimarães (excerto do poema Codicilos).

Na Cordoaria


No Jardim da Cordoaria, a estátua aperreada do antigo bispo do Porto (Ferreira Gomes) rivaliza com o Sá Carneiro degolado, na Praça do Areeiro, em Lisboa. Ao primeiro faltam-lhe pernas, ao segundo, corpo. Mas há pequenos grupos escultóricos ( de Juan Muñoz), pela área do Jardim, minimalistas e bem humorados, que nos reconciliam com a escultura moderna - valha-nos isso.
Sentado num banco do Jardim, um Sem-abrigo corado, aparentemente saudável e de gabinardo, empina a botelha de tinto por entre vorazes nacos de comida, que tira de dois sacos de plástico. Pára, de vez em quando, para dialogar (alto e bom som) com uma gaivota jovem, em frente, a cerca de três metros, que o espia atentamente. O homem gesticula e parece convidar a ave para partilhar a refeição.
É, então, que a gaivota abre o bico, aproxima-se e lança um pio longo, mas não agressivo, parecendo aceitar. E eu me lembro do final de "Casablanca", pensando que aquele diálogo pode ser o "começo de uma bela amizade" entre o Sem-abrigo e a gaivota.

Jacques Lambert Dubuisson (1655-1710)

Umas tabuinhas pintadas



Chove sobre os álamos, sobre os salgueiros e chorões do Porto. Chove sobre os limoeiros dos quintais pequenos, e os relvados rebrilham de verdes perlados nas gotas de chuva miudinha. Derrama-se a melancolia pelo granito das casas, como o olhar do "Desterrado" desce pelo mármore branco e despido do seu corpo, que voltei, ontem, a ver, fascinado. Com o "D. Sebastião", em Lagos, de Cutileiro, esta escultura, tão física, de Soares dos Reis (1847-1889), no museu homónimo do Porto, são, para mim, as duas grandes esculturas portuguesas: o sonho perdido e a melancolia.
Mas também trocava quase tudo por duas ou três tabuinhas pintadas por Henrique Pousão (1857-1884), que estavam em duas vitrines horizontais do Museu Soares dos Reis. O vermelho, o azul mediterrânico da luz e o branco esfacelado e sujo das paredes de Capri, que Pousão, amorosamente, retratou na sua última estadia (1882-83) na ilha. As tabuinhas são pouco maiores do que um postal, mas não são turísticas. Foram tocadas de graça e beleza. Mas também de uma suave melancolia, como são quase todas as despedidas.
Chove na manhã do Porto. Sobre os álamos, sobre o granito e os limoeiros. Sobre os pássaros furtivos que teimam em cantar, obstinados, numa obrigação que é o seu destino...

domingo, 22 de abril de 2012

Curiosidades 53 : gastronómicas


Se muitos pratos, molhos e receitas têm nomes gauleses, é porque também muitos dos seus criadores eram franceses. O molho Béchamel, o frango à Marengo, o Cordon Bleu  tiveram origem na criatividade de Louis de Béchamel, do cozinheiro Dunan (de Napoleão), respectivamente, embora do terceiro não se saiba a autoria, ainda que francesa. Também o Pêche Melba é uma criação de Escoffier, em homenagem à cantora Nelly Melba. Para não falar do Paris-Brest... 
O que eu não sabia, até hoje, era a origem e o criador do Vol au Vent. Vim a saber que a receita original pertence a Antonin Carême (1784-1833), cozinheiro de fama, sempre pronto a ensaiar novas receitas, que resolveu experimentar a ligação de 2 fundos de massa folhada, para empadas, com uma tira folhada na parte superior, como tampa. Enfolada no forno, a massa folhada ficou tão leve que o ajudante de Carême exclamou admirado: "Antonin, la tourte vole au vent" (a torta voa ao vento). Daí lhe veio, assim, o nome.

Mercearias Finas 51 : em louvor do espadeiro


O rosé não é comigo. Já foi, em tempos remotos de juventude. Mas há um vinho de cor rubi, clara, transparente, com sabor acídulo que colhe a minha preferência com alguns pratos. Deve ser refrescado, e é frequente na região dos Vinhos Verdes. No sul dificilmente se encontra, mas no Minho, e até no Porto, consegue-se comprá-lo e bebê-lo, nalguns restaurantes. É feito da casta Espadeiro, que na região de Basto se chama "Padeiro", "Espadal" em Santo Tirso, "Murço" em Amares. E noutras zonas, é apelidado de "Tinta dos Pobres", caridosamente.
Ontem, em grupo cordial, fez tão boa companhia às azeitonas e às torradas de molete (carcaça ou papo-seco de Lisboa) tripeiro barradas com manteiga de alho, que continuamos com ele, espadeiro, a jantarar as magníficas espetadas de porco preto. O Espadeiro portou-se sempre lindamente...Aqui se louva este vinho feito da Tinta dos Pobres.

Abertura para um domingo saltitante e divertido

Cinismo


De um diálogo de Lady Windermere's Fan, de Oscar Wilde:
"Cecil Graham:
O que é um cínico?
Lord Darlington:
Um homem que sabe o preço de tudo, e o valor de nada."

O preço dos ratos


Há muito que, felizmente, as agências de ratos (rating agencies) não falam de Portugal e, por isso, aqui no Blogue também não se fala delas. Os ratos provavelmente ocupam-se, agora, doutros nacos mais substanciais e apetitosos. Mas, entretanto, vim a saber que, através das suas pulgas, os ratos são perigosos transmissores de várias epidemias, nomeadamente e em tempos antigos, da peste bubónica. E também vim a saber o valor que tinha, no final do séc. XIX, um rato. Melhor, quanto as autoridades pagavam por cada um, no Porto.
Em 1899, houve um surto de peste bubónica, na cidade. E a Junta da Saúde do Porto pagava 120 réis por cada dúzia de ratos, vivos ou mortos, que fossem apresentados à Polícia. Ou seja, cada musaranho valia 10 réis. Aplicada a inflação e actualização, é isto o que vale um empregado destas agências de notação, e o que se deve pagar se lhe pusermos a cabeça a prémio...

sábado, 21 de abril de 2012

Interlúdio 9

Os anéis e os dedos


Também pelo Norte pululam as lojas de compra de ouro usado, de maior ou menor valor artístico. Estes estabelecimentos abrem, do dia para a noite, em locais estratégicos, mas com dimensões escusas e exíguas. Quem fornecerá estas licenças de abertura? Quem faz a formação destes avaliadores, quando estes postos de trabalho têm aumentado tanto? O Parlamento, há meses, prometeu criar uma comissão para averiguar o assunto mas, até hoje: nada...
O jornal Público faz-se eco de que a quase totalidade destas peças é derretida, para único aproveitamento do precioso metal. Obras dos séculos XVIII e mesmo XVII, algumas testemunhas da arte da ourivesaria portuguesa - de nobre tradição - transformaram-se em neutros lingotes para transação, ou mais simples transporte. É um fartar vilanagem e, neste particular, ninguém acautela o nosso património artístico.

René Aubry : "Aprés la pluie"

Espero amanhã poder dizer também: depois da chuva...

Precavidos, mas parcimoniosos

Do livro "Velhas Casas de Guimarães" (2001), de Maria Adelaide Pereira de Moraes, e do testamento (1718?) do Senhor da Casa da Freiria, João Machado, e sua mulher, Maria Dias, passo a citar:
"Juntos «estando valentes com saude e todo nosso Juizo perfeito temendo a morte que a todos he geral» fazem seu testamento. Cortejo de recomendações aos céus e aos filhos. «Todos os santos e santas do Reyno do Ceu que intersedam por nós no Tribunal Divino - 30.000 mil reis de missas gerais que mandara dizer nosso filho João onde milhor lhe pareser e mais varatas lhe disserem»."

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Monografias e tipos populares



Sou grande apreciador de monografias, porque são a pequena história anónima - sem preocupações da grande História - do tecido simples das cidades de província, de pequenas vilas, de ignotos lugarejos que também constituem a rede real do país. São escritas de afecto e emoção, enquanto a História, para o ser, terá de ser feita de rigor e de razão. A monografia é mais picaresca e, muitas vezes, mais saborosa.
Por isso não resisti à compra deste livrinho despretencioso, intitulado "Os Senhores da Rua". Diferentes dos actuais Sem-abrigo, estas figuras populares exerciam sempre alguma actividade útil, embora esporádica, mal remunerada: faziam recados pequenos, serviam de testemunhas em registos notariais, carregavam mercadorias, ajudavam à missa, eram sineiros, engraxadores, eu sei lá!... E eram vencidos, normalmente, pelo álcool.
Conheci muitos deles, na minha infância e adolescência, como o "Pereirinha" franzino e de nariz adunco, que vai na imagem; ou o "Cinéfilo", que não consta deste livro, que recolhia, pelas ruas de Guimarães, pequenas notícias de aniversários, baptizados e mortes que, depois, levava para os jornais.
Tinham muitas vezes nomes depreciativos, como o "Malotinha" (que tinha corcunda), o "Rei da Grécia", por ser monárquico e andar sempre a gritar: "Viva o rei!". Ou alcunhas fesceninas como o "João Aperta a Mama" e o "Cu de Veludo". Mas também, o "Neca das Meiguices", o "Guli-Tampila" ou o "Xiramaneco". Uma pequena galeria de seres humanos, pouco felizes, mas que, ainda hoje fazem a história pequena das cidades.