segunda-feira, 23 de abril de 2012

Umas tabuinhas pintadas



Chove sobre os álamos, sobre os salgueiros e chorões do Porto. Chove sobre os limoeiros dos quintais pequenos, e os relvados rebrilham de verdes perlados nas gotas de chuva miudinha. Derrama-se a melancolia pelo granito das casas, como o olhar do "Desterrado" desce pelo mármore branco e despido do seu corpo, que voltei, ontem, a ver, fascinado. Com o "D. Sebastião", em Lagos, de Cutileiro, esta escultura, tão física, de Soares dos Reis (1847-1889), no museu homónimo do Porto, são, para mim, as duas grandes esculturas portuguesas: o sonho perdido e a melancolia.
Mas também trocava quase tudo por duas ou três tabuinhas pintadas por Henrique Pousão (1857-1884), que estavam em duas vitrines horizontais do Museu Soares dos Reis. O vermelho, o azul mediterrânico da luz e o branco esfacelado e sujo das paredes de Capri, que Pousão, amorosamente, retratou na sua última estadia (1882-83) na ilha. As tabuinhas são pouco maiores do que um postal, mas não são turísticas. Foram tocadas de graça e beleza. Mas também de uma suave melancolia, como são quase todas as despedidas.
Chove na manhã do Porto. Sobre os álamos, sobre o granito e os limoeiros. Sobre os pássaros furtivos que teimam em cantar, obstinados, numa obrigação que é o seu destino...

4 comentários:

  1. Texto muito bonito.
    Também gosto das esculturas que refere. A do D. Sebastião do Cutileiro que foi tão atacada.
    A primeira vez que fui ao Porto e ao Museu Soares dos Reis tinha dez anos e lembro-me como fiquei fascinada pela pintura de Pousão. Só que não quase que não havia monografias sobre pintores e as que havia não tinha reproduções a cores. Ainda hoje é um dos meus pintores portugueses preferidos.

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  2. Muito obrigado, MR, há coisas que se escrevem, só, com o coração...
    Mas vale a pena vir ao Porto, apenas para ver estas tabuinhas de Pousão. (Fiz rima, sem querer!..:-))
    Bom dia!

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  3. Gostei muito de ver uma das tabuinhas, ainda que sem título. Será que poderei ver a segunda? Obrigado.

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  4. O melhor ainda será ir ao Museu Soares dos Reis, no Porto, e vê-las, ao vivo. São mais de duas.

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