domingo, 17 de abril de 2011

Linhagens 2

História de uma Tipografia


O encerramento progressivo, a partir de 1980, de pequenas tipografias, em Colónia/Alemanha, ainda com composição manual, arrastou consigo a memória viva dessas oficinas, dispersando o material tipográfico e empobrecendo o conhecimento de uma arte que, de facto, apenas se domina bem com base na experiência real.

A tipografia Fritz Holbeck, cujo catálogo de tipos apresentei na semana passada, tem uma história curiosa, embora não única no universo da impressão. O dono da tipografia não dominava nenhum ofício da nobre arte da impressão, nem era compositor, nem tipógrafo e menos, ainda, corrector. No entanto, montou a tipografia nos anos trinta do século passado, exercendo, e bem, as funções de gestor. Para poder ter aprendizes nas várias artes, teve que empregar mestres do ofício que ele não dominava. Até ao início da Segunda Guerra Mundial ainda conseguiu formar um compositor manual, empregado que o acompanhou até ao fim da vida. A reforma do compositor coincidiu com o declínio da oficina.

Os primeiros tempos depois da guerra foram de reconstrução do espaço. Os bombardeamentos de Colónia arrasaram a oficina. O desenvolvimento deveu-se, em parte, à opção de orientar a impressão para os chamados trabalhos "acidentais" (em alemão: Akzidenten), i.e., impressos para empresas e particulares. Essa orientação empresarial teve, na minha experiência pessoal, implicações negativas, mas sobretudo positivas. No que diz respeito a aspectos negativos, poucos, sobravam para mim algumas tarefas menores, a saber, frente a um suporte próprio, juntar as cópias e o original de impressos comerciais (o processo chamado: zusammenlegen) para, de seguida, passar à colagem dos conjuntos. O positivo de todo o tempo passado na oficina era o acompanhamento das várias fases da composição e impressão, o contacto com a beleza dos vários tipos de papel, a enorme quantidade e variedade de tipos e, sobretudo, a oferta graciosa de algumas recordações pelo trabalho feito. Assim, juntei tipos e papéis vários que ainda hoje guardo com estima.

Para terminar as minhas memórias de hoje, destaco um conjunto de iniciais que se reproduzem a seguir. Quando as descobri, achei-as um encanto e pedi as letras correspondentes às minhas iniciais.



Resta acrescentar que, na cave da oficina, se guardava o segredo maior. Um espaço repleto de cavaletes com caixas e caixas de tipos diversos que o filho do proprietário, tipógrafo de ofício, começou a juntar a partir de 1965. O que para mim era a gruta do Alibabá, não era mais do que o cemitério das diversas tipografias que encerravam e vendiam, a peso, o material tipográfico, especialmente os tipos. Para além do prazer ao olhar para as caixas, nunca pensei que a experiência tivesse, num futuro distante e num país longínquo, tanta utilidade.

Tenho pena, mas não faço ideia onde todo este material foi desembocar e se voltou a dar algum prazer a outras criaturas.

Post de HMJ

4 comentários:

  1. Creio que já nem os jornais usam este método de impressão. Agora é tudo electrónico...
    Muito belos, os caracteres e (arrisco dizer) tipicamente alemães. Estou certa?

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  2. Adorei!
    Os tipógrafos eram outra gente, nada destes 'dactilógrafos' actuais. Sabiam do seu ofício. Ver a velocidade a que compunham um jornal ou um livro....

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  3. Agradço os comentários e o incentivo para dar mais notícias.
    Para c.a., as iniciais são, de facto, alemãs.
    Para MR, a estética era outra e o saber também mais aprofundado.

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  4. Que dizer para além de que fiquei com inveja de nunca ter brincado, ao vivo, numa tipografia. Adoro memórias.

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