Creio que foi Marlon Brando que disse um dia, já ia alto em idade: "Representamos sempre, representamos todos!" Eu, muito humildemente, acrescentaria: alguns melhor do que outros. Mas, em abono da máxima do grande actor americano, vou tentar esboçar um episódio ou facto passado que, não tendo sido encenado, "em todo o caso, dava uma aguarela", como dizia Cesário.
Fiquemo-nos pelo trio das personagens, muito embora houvesse mais gente. O jovem arquitecto, de feições um pouco rústicas, como aparecem na pintura flamenga alguns retratados, estava feliz. Tinham-lhe encomendado o projecto de restauro de uma casa rural em Terras do Bouro, com um adiantamento, já no bolso, de 3.200,00 euros. E ele, mal o acabasse, tencionava estadiar em Katmandou, durante um mês: um sonho antigo... O actor, na curva rotunda inicial dos 40, de barba bem cuidada, vivia ainda à sombra do seu último Hamlet (bem saudado pela crítica) e sentia-se plenamente realizado. Finalmente, a jovem poeta: cabelo crespo, desalinhado, roupa brava e mal combinada - mas tudo muito natural. Açoreana e vulcânica, tinha acabado de publicar o seu primeiro livro e, pelas impressões um pouco tontas do Facebook, o sucesso caminhava ao seu encontro. Quero eu dizer: também se sentia feliz. Local: uma esplanada em Setembro, algures, no tempo. Estavam a ser atendidos por um empregado, de rabo de cavalo, que parecia o Inca Garcilasso de la Vega. Embora, tanto quanto me lembro, era apenas brasileiro. Pena!
Foi então que apareceu a Nair, vinda de nenhures naquela manhã de sol, a querer vender-lhes umas pequenas aguarelas muito naïf de vistas turísticas citadinas ou de marinas tempestuosas, muito incipientes. Ao abordar o grupo perguntou, melíflua: "Gostam de Pintura?"; e, subitamente, os 3 mudaram de vocação, sem qualquer combinação acertada, previamente. O arquitecto respondeu, de imediato: "- Detesto!, a pintura já acabou há muito!...", acrescentando, depois, que era poeta. A jovem poeta disse que gostava, mas proclamou-se actriz, falou a Nair do seu último papel de Ofélia, e acabou por comprar uma marinha por 5,00 euros. O actor, cofiando a barba espessa, assumiu-se como romancista gótico e, no que dizia respeito a pintura, confessou que só apreciava os Pré-Rafaelitas, porque eram muito certinhos e bonitinhos, e toda gente gostava deles. Mas o trio de amigos foi amável com Nair, convidaram-na a sentar-se com eles na esplanada e até lhe pagaram um café. Estiveram quase uma hora, com ela, a falar de política e do Rodrigo Leão: seja como for, a música não estava representada à mesa, neste retrato de família. Ah! a Nair era esquerdina. Reparei nisso quando assinou a marinha no verso, com esmero, embora a sua caligrafia fosse absolutamente ilegível. Nem todos somos actores perfeitos...
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