Uma coisa é vocação, outra, sobrevivência.
Há, no entanto, equivalências que são mais bem aceites do que outras, pelo espírito humano. Que um professor seja também romancista ou poeta, é tacitamente entendível e considerado normal, pela comunidade. Um médico romancear (Torga, Namora, Araújo Correia...), não causa ainda a mínima estranheza.
Já um bancário ser poeta e ensaísta (T. S. Eliot) cria alguma perplexidade e, nalguns espíritos demasiado ortodoxos, causa alguns engulhos de classe ou elitistas. Mais ainda, se um contabilista ou correspondente de línguas (Fernando Pessoa) se põe a poetar, ou se um empregado de uma loja de ferragens (Cesário Verde) se dedica, em primeira instância, a escrever versos. Primorosos, aliás.
Para subsistir, ocupar a rotina com banalidades pode ser útil e saudável, sobretudo se for para deixar à solta a criatividade pessoal. Como fez, por inicial necessidade, Carlos Paredes, administrativo dos Hospitais Civis de Lisboa, que nos deixou melodias maravilhosas...
O ócio, quando existe e é bem administrado, pode vir a ser arte. É preciso é ter vocação para algo mais, do que passear na vida, por ver andar os outros.
Ter vocação e "talento", julgo eu.
ResponderEliminarTem toda a razão: é um aditamento mais que justo.
EliminarHá muita gente com talento que tem trabalhos aborrecidos para subsistir - creio que é a maior parte dos casos que citou. Intriga-me mais um fenómeno que tenho verificado que é o dos médicos / historiadores (apreciadores, coleccionadores) de arte, como Reinaldo dos Santos. Ainda não consegui entender qual a relação entre a arte e medicina, para além do óbvio da psicologia / psiquiatria. Bom dia!
ResponderEliminarÉ verdade, Margarida, quase nunca o trabalho de subsistência preenche, ou agrada, mas há que ganhar o pão...
EliminarPõe uma questão pertinente: medicina e arte. Veio-me logo à memória o médico vimaranense Abel Salazar que também pintou. E bem, embora, seja injustamente pouco referido e apreciado (?). Mas também eu não sei como explicar, essa junção que, talvez por via da estética, se manifesta na profissão de Medicina. Júlio Dantas, médico, apesar do conservadorismo, era também um esteta.
Um bom Domingo.
São muitos os casos em Portugal. Fora do nosso país, também deverá haver, presumo. Bom dia!
EliminarEscritores estrangeiros, com formação em Medicina, lembro-me de: Axel Munthe, Conan Doyle e Somerset Maugham.
EliminarBoa semana.
Génio, no caso de Pessoa e Cesário Verde.
ResponderEliminarOs estudiosos de Pessoa dizem que ele escolheu aqueles empregos porque não lhe ocupavam a cabeça, deixando-a livre para escrever. Já Cesário era o filho do dono da loja de ferragens...
Bom domingo!
Tenho sempre alguma dificuldade em qualificar de "génio" um artista, embora conceda, sem dificuldade, a Pessoa o epíteto. Já Cesário tem antecedentes, poetas secundários que, no entanto, não chegaram tão longe, no uso da língua e da poesia.
EliminarE não falei de Eugénio de Andrade, que foi grande parte da sua vida inspector da Segurança Social - cumpriu com rigor, mas não gostava...
Um resto bom de tarde.
Imagino-os sempre a "escrever na mente" tudo aquilo que lhes apetecia, enquanto as mãos se ocupavam das tarefas a que estavam obrigados.
EliminarBom dia
O trabalho de mãos deixa, muitas vezes, solto e liberto o pensamento..:-)
EliminarUma boa semana.