Amanhã, 1 de Fevereiro, se fosse vivo, Fernando Assis Pacheco faria 73 anos mas, infelizmente, morreu à entrada do "Paraíso" (para quem gostava tanto de livros!): à porta da Livraria Buchholz, em 30 de Novembro de 1995. O coração já lhe tinha feito várias ameaças, e foi de vez, nessa manhã fria de Novembro. Para quem fez a guerra em Angola, foi quase uma morte literária. Lembro-o através dum dos seus últimos textos, incluído em "Respiração Assistida".
"Bento Soares
Aquele tiro podia ter sido para mim, que estava sentado ao lado de um colega alferes quando este foi atingido numa perna. Vinte centímetros mais à direita e seria eu a apanhá-lo. Não fui. Como os soldados diziam, não chegara a minha hora, mesmo aproximada.
A hora chegava quando menos se esperava. Bento Soares empinado na caixa da GMC julgou-se de pedra, mas era pobre indefesa carne humana e assim morreu, gritando ainda o nome da mãe - contaram-me - antes de o estenderem nas tábuas para o inútil cuidado do furriel enfermeiro.
Deram-me a notícia em Luanda, aonde viera em tratamento de mazelas nervosas. Durante o dia eu gastava o meu abandono cinzento jogando bowling e bebendo cerveja. Também passeava na Marginal, a olhar os dongos entre os cargueiros como insectos num tanque. Foi aí que outro alferes de Zala me travou do braço e fez o relato da morte completa do Soares. Sempre o mesmo comentário: chegara a sua hora, quem há aí que desvie o braço da grande ceifeira? Creio que falávamos deste modo literário um pouco tolo.
Levei anos a esquecer e a recordar Bento Soares. O que resta dele está num poema antigo, que por pudor não leio nos anfiteatros."