"Eram 11 horas da manhã quando o homem reentrou na sua casa. O vazio dela não o angustiou no imediato, sentia-se cansado de mais para encontrar quaisquer pessoas.
Sentado no living escurecido pelos estores corridos, fumou metade de um cigarro, de que apagou o resto no cinzeiro branco, e carregou na alavanca que havia no centro do objecto. O disco de metal girou, fazendo desaparecer cinza e resto de cigarro no bojo do cinzeiro: o ruído metálico que ele ouvira através do vidro fosco iluminado, quando se dirigia do telefone à casa de banho às quatro e trinta da outra manhã.
Pensou em tomar banho, desistiu. Não lhe apetecia rever a casa de banho.
Entrou no quarto de casal onde pairava o perfume da mulher. Acendeu a luz porque o estore estava baixado e as cortinas tinham sido corridas. Abriu a cama. Enquanto se despia teve a impressão fugaz de ouvir ao longe a voz de uma mulher cantando
"Quem quer figos
quem quer almoçar"
Ficou imóvel, mas o som não se repetiu. Então meteu-se nu na cama e fechou os olhos.
Os ruídos da cidade chegavam-lhe remotamente aos ouvidos, o quarto estava quase silencioso e escuro.
O homem tentou relaxar o corpo, não pensar. Imagens da sua directa esbombardeavam-lhe a sensibilidade. Estava difícil o encontrar o vácuo necessário ao pegar do sono. Sem premeditação, o homem falou alto, na sua casa vazia. E disse:
"Vigiei trinta e uma horas seguidas. Acho que se não foi conTigo é porque não ressuscitaste."
Os minutos decorriam e ele não conseguia adormecer. Parecia-lhe que nunca mais ia conseguir adormecer."
( final ) de "Directa" de Nuno Bragança (1929-1985).
Reli este livro há pouco, por razões de trabalho, e gostei mais do que da primeira vez. Já da primeira vez tinha gostado.
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