quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Justiça vista por Jazente



O injustamente esquecido Paulino António Cabral (1719-1789), mais conhecido por Abade de Jazente - freguesia onde pastoreou almas e não só -, era um arguto observador dos costumes citadinos e dos hábitos rurais. Crítico mordaz, deixou-nos versos realistas de saborosa leitura. Para quem pensa que os males da Justiça portuguesa são de hoje, aconselho a leitura deste soneto do Abade.


Citado o réu, a Acção distribuida,

Oferece-se o libelo na audiência;

Entra logo uma cota, uma incidência,

Apenas em dez anos discutida.


Contraria-se tarde; ou recebida

Uma excepção, faz nova dependência:

Crescem as dilações, e a paciência,

Uma das partes perde, ou perde a vida.


Habilita-se um filho, outro demora;

E de novos artigos na disputa,

Mais se dilata a causa, ou se empiora.


Contudo põe-se em prova, ou circunduta,

Em casa do Escrivão bem tempo mora,

E se há sentença enfim, não se executa.

2 comentários:

  1. Tem razão, estes versos bem podiam ter sido escritos hoje, até ao nível dos conceitos. Nada se alterou. Apetece dizer, como o príncipe de Salina: é preciso mudar tudo para que tudo fique na mesma. Definitivamente, vou ter de procurar as obras do Abade.
    Aproveito para lhe dizer que já procurei no meu livro mais versos de Bocage sobre o Paulino (julgo que não tinha nome arcádico, ou estarei enganado?) mas até agora não encontrei. Se encontrar farei um post.
    Correndo o risco de ser repetitivo, sempre lhe digo que é um prazer lê-lo e aprender consigo. Abraço grato.

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  2. Obrigado pela sua atenção.
    O Abade de Jazente tem na "Imprensa Nacional" um volume com a obra,deve ser dos anos 80, com prefácio Miguel Tamen - prefácio esse, no entanto, que é de uma sobranceria incrível e que contém algumas (poucas)imprecisões. Não está enganado; que eu saiba, o Abade não tinha nome arcádico, embora tivesse frequentado as Academias do Porto e Guimarães,pelo menos.
    Arnaldo Gama ficciona-lhe a figura em "Um Motim de Há Cem Anos", a propósito das leis novas do Marquês de Pombal - como estou a citar de cor, pode haver alguma imprecisão...
    Uma Boa noite!

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