Dona Leocádia é uma condómina estimável e idosa do meu prédio, apesar do seu gato preto ser irreverente e indisciplinado. Ainda hoje, ao fim da tarde, encontrei a pobre da senhora aflita, à procura do Miqui, que se escapulira por uma nesga de porta aberta que a dona Leocádia entreabrira para assinar a recepção de uma carta registada.
O pequeno felino parece divertir-se a desinquietar e pregar partidas à dona septuagenária, que lhe tem um carinho especial e que - julgo eu - o trata com imenso desvelo. Quando ela me perguntou : Não viu o meu gato preto?, eu senti um aperto de solidariedade no coração, mas lembrei-de, também, de uma frase de Montaigne, inserta nos Essais.
E que diz assim: Qui sait si ma chatte ne tire pas plus son passe-temps de moi que je ne fais d'elle? *
Até porque não tenho muitas dúvidas que alguns donos são autênticos escravos dos seus animais de estimação.
* Ora traduzamos, liberrimamente : "Quem sabe se a minha gata não tira muito mais proveito de mim, como passatempo, do que eu, dela."
E que diz assim: Qui sait si ma chatte ne tire pas plus son passe-temps de moi que je ne fais d'elle? *
Até porque não tenho muitas dúvidas que alguns donos são autênticos escravos dos seus animais de estimação.
* Ora traduzamos, liberrimamente : "Quem sabe se a minha gata não tira muito mais proveito de mim, como passatempo, do que eu, dela."
Ainda não consegui entender o que leva as pessoas a aceitar de um animal o que não aceitariam dos seus congéneres: que os preocupem e gastem horas à volta deles tratando-os com o cuidado e atenção que não dão aos humanos que os rodeiam. A saúde dos bichos dá-lhes mais que fazer que a dos familiares próximos. O mundo tende a virar-se ao contrário
ResponderEliminarA questão que eu queria destacar não era a preferência que alguns seres humanos têm pelos animais, em prejuízo dos outros seres humanos. Que essa já Sarte abordou, e bem.
EliminarMas a estultícia pueril que, dos horizontes apoucados, lhes acaba por dar uma importância maior, no nosso tempo. E que contribuiu para o crescimento exponencial de um partido cuja ideologia oportunista não ultrapassa o rés-do-chão da indigência humana e mental.
Errata:
Eliminaronde escrevi "Sarte", queria escrever: Sartre.
Parece-me que Montaigne viu muito bem a relação dos gatos com os seus donos.
ResponderEliminarBom domingo!
A perspicácia de um grande pensador!
EliminarRetribuo, cordialmente.
Ora a D. Leocádia tem um gato Miqui. Espero que ele nunca conheça o canário Miqui da Isabel...
ResponderEliminarLembro-me do gato da minha sobrinha que estava por uma manhã ao cargo da minha mãe e que consumição foi quando o bicho se esgueirou... eu e minha mãe a chamar o dito bichano para que a mocinha não entristecesse caso a perda fosse definitiva... só consigo mesmo gostar dos bichanos da banda desenhada.
Bom dia
O canário da Isabel é Migui, se calhar de Miguel; o gato da dona Leocádia é Miqui, provavelmente de Mickey. Pela distância, o mais provável é que nunca se encontrem, felizmente.
EliminarTambém não sou muito amigo destes felinos: tive uma Violeta, de minha Tia, que me arranhou na infância...
Boa semana.
Ah!Ah!Ah! Pois eu também espero que nunca se encontrem, para bem do meu canarito!
ResponderEliminarGosto de gatos e até já pensei ter um, mas sou demasiado preguiçosa para ter gatos ou cães. Até o meu Migui me dá demasiado trabalho! Um simples passarinho faz uma sujidade impressionante! Mas agora já não me consigo desfazer dele, até porque a minha mãe também gosta muito dele.
A bicharada dá trabalho, mas uma pessoa afeiçoa-se...
Boa noite!
Pois é, há que limpar as cascas...
EliminarE não se esqueça de lhe dar uns borrifos de água, para o lavar, bem como cortar~lhe as unhas que, muito compridas, podem ser perigosas para ele.
Boa semana.