sexta-feira, 7 de junho de 2019

Divagações 148


Tenho consciência de que, no que diz respeito à verdadeira poesia, quando um autor explica um poema, acaba por limitar o seu horizonte, no leitor. E tornar redutora, condicionando, a sua leitura. Restringindo a interpretação que o inconsciente lhe possa dar, por experiências outras e alheias, ao motivo que desencadeou, no poeta, a criação do poema.
Quando Walt Whitman (1819-1892) editou Leaves of Grass (1855) nos Estados Unidos, preocupou-se e apressou-se, sob pseudónimo, a emitir interpretações pessoais sobre a sua obra. Quando o livro, pela primeira vez, foi publicado na Inglaterra (1868) por William M. Rossetti, foi-o, por razões de censura, de forma reduzida e amputado de alguns poemas.
Ainda assim, e mais uma vez, Whitman, numa espécie de paternalismo estranho e insólito, se desdobrou em intervenções pessoais tendentes a orientar a leitura da obra.
Numa entrevista de E. M. Cioran, em 1979, o escritor, de origem romena, declarou: Evidentemente, que eu gosto de que aquilo que escrevem sobre mim seja exacto. Mas eu creio que os mal-entendidos podem ser fecundos.
Penso que Cioran tinha toda a razão. 

4 comentários:

  1. Bem capaz de ser verdade, mas nunca tinha pensado nisso. Talvez quem não nos entende seja mais fecundo. Pelo menos faz um desenho diferente:)

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    1. Talvez eu não me tenha feito entender.
      Não é uma questão de (mais) fecundidade, mas de experiência(s) diferente(s). A do leitor até pode ser mais vasta do que a do poeta. E, assim, fica restringida a percepção pela explicação do autor.
      Já uma vez referi que era preferível ficarmo-nos pelo "chiaroscuro", em poesia.

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  2. Poesia não é Física.
    Poesia é sonho.
    Deixemos que os seus leitores a interpretem livremente.

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    1. Exactamente.
      A grande poesia tem uma liberdade intrínseca que lhe própria (Ramos Rosa disse-o) e a que cada leitor tem direito, na sua subjectiva circunstância.

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