segunda-feira, 10 de junho de 2019

Faz agora uma semana, a 10 de Junho....


Agora que o coro de vozes excitadas serenou e o silêncio do tempo tomou conta dos dias, talvez seja  a melhor altura de dar voz ao António, que conheceu e entrevistou Agustina Bessa-Luís, e a quem pedi, desafiando-o, a dar o seu testemunho. E, afortunada e amavelmente, João Menéres, que com ela privou e que faz dos seus dias um testemunho perene de vida, com os seus belos instantâneos ( é só ver o blogue Grifo Planante... ), com generosidade me cedeu uma fotografia inédita de Agustina e me autorizou a reproduzi-la aqui no Arpose, chegou, assim, o momento de voltar a lembrá-la.
Aos dois, António e João, o meu muito e muito obrigado.
Seguem a foto de João Menéres e o texto de António de Almeida Mattos:



A última vez que vi Agustina foi no café duma Fnac, há já muitos anos. Pouco depois foi-me morrendo.
Tive a sorte de conviver um pouco com ela e com o marido (Alberto Luís), seu quase escrivão de puridade, homem discreto, atento, distinto, mas também um bom desenhador.
Agustina era uma mulher de armas e de letras, com um humor por vezes contundente, brilhante para uns, para outros não.
Era muito feminil, coquete, com uns olhinhos miúdos muito vivos e buliçosos como se de uma ave que prepara, vertical, um voo picado e certeiro.
Foi Maria da Glória Padrão quem me ensinou muito sobre a escritora.
Não li tudo de Agustina. Como quem guarda, avaro e prevenido, uma garrafa de vinho especioso para uma data que o mereça. Mas li o bastante para saber que Agustina tinha um saber, um dom de adivinhar quase de vidente.
Uma das vertentes da sua grandeza está em tratar temas que conheço de perto, algo regionais na sua intensidade, e esse micocosmos em que se debruça, pela sua humanização concentrada, se alargar ao mundo inteiro.
Dália Dias refere que Agustina tinha uma imensa atracção pelo caos, no sentido de Criação.
Uma vez, no mercado do Bom Sucesso, perguntou à vendedeira o preço de um qualquer artigo.
- Não sabe ler? Está lá escrito!
- Os meus Pais não me mandaram à escola - respondeu Agustina.
Não precisou. Dentes de Rato era uma menina sábia, que se tornou Mulher férrea na disciplina, livre e ousada na criação do mito, que nunca esqueceu ser criança. Quer na inocência, quer na perversidade.

4 comentários:

  1. Agustina foi conterrânea e contemporânea de Sofia. A diversidade das temas e valores das respectivas obras são espantosos.

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    1. Há que ter em conta a diferença de patamares em que se movem a prosa e a poesia. E, por outro lado, as diferenças de temperamento dos seres humanos: uns, mais aristocráticos, outros mais terrenos.

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  2. A resposta à vendedeira do Bom Sucesso revela como era a Agustina numa das suas facetas irónicas e quão desconcertante podia ser.

    Os meus agradecimentos à referência do Grifo Planante.

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    1. O que é justo, é justo..:-)
      As pequenas histórias que conheço de Agustina, traçam-lhe um perfil de saudável irreverência.

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