quarta-feira, 16 de março de 2016

Uma perspectiva transversal da literatura portuguesa, de Óscar Lopes, a propósito de Aquilino


A sistematização ampla de sintomas e a caracterização geral do perfil e temáticas, que pontuam e definem a literatura portuguesa, são raras. No entanto e do meu ponto de vista, a análise a que Óscar Lopes (1917-2013) procede, ao abordar a obra de Aquilino Ribeiro (1885-1963), na Colóquio-Letras 85 / Maio de 1985, parece-me uma exemplar sinopse. Daí a transcrição, que faço a seguir, de um excerto nuclear das palavras de Óscar Lopes:

"...Outro exemplo, e esse é que faz ao caso, é o seguinte: há na literatura portuguesa uma grande carência de tudo o que seja expressão exuberante da simples alegria de viver, de viver, viver, mesmo apesar e através das maiores agruras ou tragédias. A saudade e a tristeza são o grande emblema da nossa lírica e da nossa novelística, e já contra elas se levantava D. Duarte, que tinha costela inglesa. Ver os grandes dramas individuais ou colectivos como uma grande festa para os olhos, para os sentidos, para o corpo e para a inteligência, para a inteligência e para a fantasia, não é típico da atitude literária portuguesa, embora, evidentemente, ocorra aqui ou além em Fernão Lopes, Gil Vicente, n'Os Lusíadas e na Peregrinação de Mendes Pinto. A atitude literária portuguesa típica é a de meditar sobre as razões de se ser triste, sobre as contradições do nosso contentamento descontente, sobre o além (ou a ausência causal) de todas as nossas insatisfações. Tipicamente, o poeta ou ficcionista português não se permite um espectáculo, um conflito, um enredo, sem a competente retórica justificativa, sem que tudo isso sirva de pretexto a um encarecimento, uma apologia, uma lição de doutrina ou moral. A alegria em estado puro e ainda por cima bem consciente de si, a perfeita reconciliação com a natureza de que nascemos ou da natureza que connosco se descobre e refaz, ou seja, aquilo a que se chama o naturalismo do Renascimento, ou o aspecto por assim dizer solar (e não lunar) do naturalismo do séc. XIX, o próprio saborear da vitalidade humana a contas com as misérias e prepotências do mundo, tal como se espelha na novela picaresca espanhola, pode dizer-se que tudo isso irrompeu em força, e subitamente, nas letras portuguesas com Aquilino Ribeiro, e com uma exuberância ou diversidade de manifestações que contrasta com a raridade dos hossanas portugueses ao Sol, com o coro quase geral dos poetas da lua e da sombra, salvas poucas e pouco variegadas excepções em que, ao tempo de Aquilino Ribeiro, uma geração antes e outra geração depois, eu destacarei CesárioVerde, Almada-Negreiros e Miguel Torga. ..."

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Há, realmente, poucos exemplos. Mas sempre teremos os brasileiros e outros tropicais. Ou, claro, Valter Hugo Mãe... (Estou a brincar!)

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    1. Pois é, o Mãezinha chora-se muito...
      Absolutamente de acordo, em relação aos brasileiros (Bandeira, Drummond, Manoel de Barros...), mas o Eugénio de Andrade, às vezes, também "poematizava" a alegria. Física, normalmente, que Óscar Lopes se esqueceu de referir.

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