Há quem conceba a vida como uma forma superior de ficção. E lá está Calderón de la Barca (La vida es sueño) para o justificar, de algum modo. Para não falar de Pessoa.
Ao descer as escadas da estação do Metro, já no regresso, reparei num sem-abrigo, ainda novo e de barba crescida que, embora vestido dignamente, se abandonara ao sono e ao cansaço, esparramado que estava, num dos patamares. Um jovem (25? 30 anos?) de calções, que ia à minha frente, parou um pouco, e à socapa tirou-lhe uma foto, através do telemóvel. O sem-abrigo não deu por nada.
Raras são as relações humanas que se iniciam, ou terminam, por vontade explícita de ambas as partes. Muitas vezes, até crescem ao abandono e naturalmente, sem intenção expressa, ganhando consistência e dimensão. Mas há quase sempre um clic, um ponto de partida notório, como é o caso do final de "Casablanca" (1942), de Michael Curtiz: "Isto pode ser o princípio de uma bela amizade!" E, em determinada altura do almoço, a glosa, inesperadamente, começou a impor-se-me, por razões diametralmente opostas: "Isto pode ser o fim de uma bela amizade!..."
Com justiça se poderá afirmar que o "post-scriptum" da conversa decorreu com a maior elegância. Não seria de esperar outra coisa de quem se conhecia há mais de quarenta anos.
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