sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Desabafos


Faz bem falar com um amigo que já conhecemos há muito, e que já nos conhece há décadas de caminho. A velhice não gosta de mudanças, porque o cepticismo do tempo raramente nos promete grandes coisas. Lembrem-se as Primaveras árabes que rapidamente se transformaram em tempestuosos e anárquicos, ou ditatoriais Invernos islâmicos.
Esta moda de mudanças, que incipientes e atoleimados jornalistas acolhem com um sorriso alvar e olhos de pasmo e alegria, assertivamente, não me afecta um milímetro, muito embora acompanhe, com algum cuidado e ponderação os desenvolvimentos, até poder chegar a alguma conclusão fundamentada.
Preocupa-me, sim, este desejo de mudança, como se os passos fossem sempre seguros, estas modas trepidantes a qualquer preço, estes aggiornamentos (pontifícios ou não), em que tudo se troca numa freudiana procura da fonte da felicidade e juventude, ou na mania cega e acéfala de acompanhar o mais recente - que quase me irrita, pelo imediatismo, pela ligeireza, pela leviandade mental.
Há um cerco de estar em dia, que nos sitia. Desde o amigo volúvel que se surpreende por ainda demolharmos, em casa, um bacalhau escolhido com cuidado na mercearia, em vez de comprarmos o universal e asséptico riberalves, até ao velhinho moderno que não percebe porque somos tão ignorantes em relação aos tablets - aos Magalhães ainda eu cheguei...
Depois é o Google rural e ianque, é o Adobe Flash Player, é o...que estão sempre com actualizações, e que me atrasam, estupidamente, no meu trabalho quotidiano e despretencioso. E eu lá acabo, céptico e benevolente, por aceitar estas actualizações ignaras e frenéticas, periodicamente incomodativas, de que já conheço, de antemão, o resultado. No dia seguinte, o computador, com as suas fragilidades habituais, está na mesma. Ou pior.

8 comentários:

  1. Também optamos por demolhar o bacalhau, que é comprado na mesma mercearia desde que me entendo por gente. A minha mãe faz o favor de enviar ou de trazer quando vem de visita. :-)
    Nunca usei um tablet e nunca cheguei aos Magalhães. Estou muito desactualizada. :-)))
    Bom post!

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  2. Obrigado, Sandra.
    Às vezes, é difícil resistir à pressão da novidade, da actualização, da facilidade.
    Quanto a produtos naturais não abdico do natural, além de que a visita aos mercados é, muitas vezes, uma festa para o olhar e para os cheiros, cores e sabores da terra. Quanto a computadores uso o que é útil, mas não abuso e nunca serei fanático.

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  3. Por acaso, e não negando as vantagens de demolhar o bacalhau (quando é bom), considero o Riberalves (e o Dias ou o Pascoal) uma boa opção. É uma opção mais cara, mas não assética, e muito menos insípida.

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  4. Só à segunda é que acertamos no Bacalhau para a Consoada...Acontece.
    Admito que as marcas que refere sejam boas mas, mesmo assim, prefiro a demolha em casa.

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  5. Faço minhas as suas palavras!
    Também me sinto muito por fora de muita coisa moderna. Sou até um bocado desconfiada de algumas modernices.
    Fui-me adaptando a algumas coisas, mas nunca tenho pressa.
    Talvez o mundo não evoluísse muito, se toda a gente fosse como eu, mas vivo bem sem telemóveis sofisticados, computadores moderníssimos, facebooks e afins...

    Gostei do seu texto!

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  6. Muito obrigado, Isabel.
    Eu creio que o problema é que muita gente tem "vergonha" de não ser moderna ou não estar "actualizada", o que, no fundo, só revela falta de personalidade. Claro que eu não recuso tudo o que é novo, mas pondero sempre a necessidade e a utilidade.

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  7. Gosto mais da musica, de filosofar, sonhar, arquitectar.

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  8. Pois está no seu pleníssimo direito.

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