sexta-feira, 4 de março de 2016

Mote e glosa, ou pensar para lá das palavras


Há muitas perspectivas para abordar as últimas obras de Wittgenstein, mas, fundamentalmente, a concepção Romântica da filosofia no seu cerne - que é uma luta pessoal, em busca de uma terapia contra a perversão do intelecto pela linguagem...

Este pequeno excerto de Tim Crane (TLS, nº 5891), que acabo de traduzir, a propósito da obra de Ludwig Wittgenstein (1889-1951), foi-me uma espécie de iluminação.
Eu sempre me dei mal com a filosofia, tirando Berkeley, Kierkegaard, Schopenhaur, Nietzsche (sobretudo, na minha juventude), embora frequente, com agrado, os pro-filósofos Cioran e Steiner, mais recentemente. Desisti, pura e simplesmente, de Espinosa, Heidegger e Adorno. Mas perdi uma boa parte dos meus complexos, ao saber que as leituras filosóficas de Wittgenstein, considerado um dos grandes filósofos do século XX, eram muito reduzidas. Por exemplo, nunca teria lido nenhuma obra de Aristóteles... Esta ignorância do filósofo austríaco terá assim contribuído para a singularidade do seu pensamento e uma maior liberdade da sua teorização.
Resta o mecanismo de aprisionamento que a língua (ou linguagem), por sua vez, exerce sobre a forma de pensar. Porque pensamos, sobretudo, através das palavras, por caminhos de contiguidade e atracção entre elas, numa espécie de círculo fechado da memória e do inconsciente. É, por aí, que a liberdade de poder pensar se torna mais difícil. E só pela criação de uma nova linguagem, será possível contornar esse fatal constrangimento. Como também na poesia, aliás... 

4 comentários:

  1. Nunca consegui ler Wittgenstein. E fiz várias tentativas.

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    1. Eu li poucas, pequenas coisas, e não sei se chegarei lá, muito embora tenha alguma curiosidade.
      O mais provável será juntá-lo a Heidegger e Adorno...

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  2. Do exposto, é com alguma dificuldade que se retira alguma conclusão, no entanto se me permitem uma pequena contribuição pessoal, e portanto subjectiva, com base nas leituras que fiz das obras de Wittgenstein , o primeiro ponto e curioso em relação ao texto, que aborda também a dificuldade de leitura, deste, entre outros filósofos, wittgenstein considera que a obra de arte em geral tem uma capacidade de se ocultar que é igual á capacidade perscrutiva do observador , e que portanto para ultrapassar esta dificuldade é necessário um esforço adicional de leitura , o segundo ponto seria que mais que uma nova linguagem o que Wittgentein expõe mais do propõe, é a impossibilidade de transmissão da experiência através da linguagem , e que a mesma só é transmissível através da própria experiência, o terceiro ponto seria que a construção da linguagem se funda na experiência e progride através dela , e quarto, que a linguagem se funda num paradigma , quase Kantiano, de uma certeza primeira e conceptual, que ele ilustra com a hipotética história, (…) imaginemos que as nossas mesinhas de cabeceira voavam dentro do nosso quarto enquanto dormíamos, e que sempre que acordávamos as mesmas se imobilizavam, não teríamos maneira de saber cientificamente se esse facto ocorria ou não , no entanto sabemos que isso não acontece(…) é neste tipo de certeza que se funda a linguagem , não se pode provar mas sabemo-lo.
    Muito haveria a dizer mas como calculam o espaço não é o apropriado para textos muito extensos, se alguém quiser refutar, completar, corrigir, algo acerca deste raciocínio façam favor.

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    1. É possível que tenha razão, até porque o excerto, que traduzi, é bem pequeno. Por outro lado, é pouco o que conheço da obra de Wittgenstein. Mas adiro, por inteiro, à ideia sugerida, da libertação da linguagem, para poder criar uma nova realidade, uma nova teoria filosófica, uma outra forma de poesia.
      Tentar "ensaiar" noutros termos, penso que foi o que fizeram Blake, E. Dickinson, Char, produzindo alta poesia. Como de algum modo, o nosso Herberto Helder.
      Agradeço-lhe o seu sólido contributo-comentário.

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