segunda-feira, 27 de junho de 2011

João Guimarães Rosa


João Guimarães Rosa nasceu em 27 de Junho de 1908. Creio que é um autor de quem se gosta muito, ou não se gosta nada. Pertenço ao primeiro grupo. A leitura dos seus contos e dos seus romances leva-nos por caminhos difíceis, mas numa viagem maravilhosa. Com ele descobrimos as virtualidades infinitas da língua portuguesa, através de desmontagens e recriações das palavras, mas também pela ressurreição de antigos étimos que ele usa com um virtuosismo admirável. É como que um Joyce, sem secura, e porventura menos complexo. Por outro lado, abre-nos perspectivas novas em que sensibilidade, inteligência e um amplo domínio linguístico conduzem a diferentes entendimentos da realidade. Ou que, pelo menos, nos permitem supor outros mundos, talvez menos lógicos, mas muito mais largos e ricos de conteúdo. Mas o melhor é dar-lhe a palavra, através de um pequeno excerto de um dos quatro prefácios de "Tutaméia". Segue:
"...Menino, mandavam-me escovar em jejum os dentes, mal saído da cama. Eu fazia e obedecia. Sabe-se - aqui no planêta por ora tudo se processa com escassa autonomia de raciocínio. Mas, naquela ingrata época, disso eu ainda nem desconfiava. Faltavam-me o que contra ou pró a geral, obrigada escovação.
Ao menos  as duas vêzes por dia? À noite, a fim de retirar as partículas de comida, que enquanto o dormir não azedassem. De manhã...
Até que a luz nasceu do absurdo.
De manhã, razoável não seria primeiro bochechar com água ou algo, para abolir o amargo da bôca, o mingau-das-almas? E escovar, então, só depois do café com pão, renovador de detritos?
Desde aí, passei a efetuar assim o asseio. Durante anos, porém, em vários lugares, venho amiúde perguntando a outros; e sempre com já embotada surprêsa. Respondem-me - mulheres, homens, crianças, médicos, dentistas - que usam o velho, consagrado, comum modo, o que cedo me impunham. Cumprem o inexplicável.
Donde, enfim, simplesmente referir-se o motivo da escôva. ..."

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