domingo, 8 de agosto de 2010

Salão de Recusados XXI : o soneto, em questão



1. Um soneto me manda hacer Violante


Um soneto, que eu faça quer Violante:
nunca me vi na vida em tal espeto.
Catorze versos dizem que é o soneto:
brinca brincando vão já três adiante.

Pensava não achar mais consoante
e na metade estou de outro quarteto;
mas se me vejo dentro de um terceto
não há nestes quartetos que me espante.

No primeiro terceto vou entrando,
e parece que entrei com o pé direito,
pois fim com este verso lhe vou dando.

E já estou no segundo, e até suspeito
que vou uns treze versos acabando.
Contai se são catorze, e eis que está feito.

Lope de Vega (1562-1635), traduzido por Jorge de Sena.


2. Quatorze versos


O primeiro é assim: fica de parte.
No segundo já posso prometer
que no terceiro vai haver mais arte.
Mas afinal não houve... Que fazer?

Melhor será calar, pois que dizer
nem do sexto conseguirei destarte.
Os acentos errados é favor não ver;
nem os versos errados, que também sei hacer...

Ó nono verso porque vais embora
sem que eu te sublime neste décimo?
Ao décimo-primeiro dediquei uma hora.

Errei-o. Mas que importa se a poesia,
mesmo que o não errasse, já não vinha?
É este o último e, como os outros, péssimo...

Alexandre O'Neill (1924-1986).


Nota: Já Guilherme de Aquitânia (1071-1127), poeta, dizia: "Farei um poema do puro nada..." (vide Arpose, Poesia provençal, 14/1/2010). O soneto, como supremo desafio, merece ser desafiado... Ou, como diz o meu amigo poeta, António de Almeida Mattos (1944): "...um rápido pavor em desmanchar / a regra..."

P. S.: para MR, pelo O'Neill, e não só.

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