terça-feira, 24 de agosto de 2010

O castanheiro de Anne Frank, como motivo


O "Diário de Anne Frank" publicado pelo pai, em 1947, que foi o único sobrevivente da família - morta em campos de concentração - , foi um livro de leitura transversal a muitos jovens, e das obras mais traduzidas no mundo. Em Portugal, traduziu-o Ilse Losa, para a Livros do Brasil.
Na ausência de notícias mais importantes, o jornal "Público" de hoje, na última página, destaca e refere a morte definitiva e queda, motivada por uma tempestade em Amesterdão, do castanheiro secular que Anne Frank, quando escondida com a família, num sótão, para escapar aos nazis, via da sua janela. Fala dele, aliás, algumas vezes, no seu diário ("O castanheiro está coberto de flores e acho-o ainda mais belo do que no ano passado", 13/5/1944). Na sua existência limitada e claustrofóbica, em plena adolescência, era um sinal de beleza e mudança.
As árvores foram sempre portadoras de esperança, tiveram valores simbólicos e eram, muitas vezes, sinal de estabilidade e permanência na mudança (vida/morte), ao olhar humano, e apoio à imaginação devota. Da árvore de Jessé à figueira de Judas, do carvalho de Guernica (que inspirou a Wordsworth, em 1810, um poema: "Oak of Guernica! Tree of holy power..."), resistente ao bombardeamento de 1937, até à oliveira da Colegiada de Guimarães; do olmo de Antonio Machado ("Al olmo viejo hendido por el rayo / y en su mitad podrido...") à azinheira de Fátima, as árvores perpetuam-se no coração dos homens. Ou na adolescente e vibrante esperança de Anne Frank. Mas os homens envelhecem e morrem, algumas árvores conseguem ser centenárias e, mesmo, milenares. Parecem eternas aos homens, ou para usar palavras e lembrar Sá de Miranda:

"...Eu vira já aqui sombras, vira flores
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d' amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m'eu fiz doutras cores;
e tudo o mais renova: isto é sem cura."

P. S.: para c. a., que anda a reler Sá de Miranda. E faz muito bem.

4 comentários:

  1. Gosto muito quando escreve assim. Lembra-me a brisa do final da tarde, que é suave e tonificante, para mim a melhor hora do dia.
    Há por aí quem entenda que existe uma escrita feminina, supostamente mais sensível que a escrita masculina. Sempre me pareceu que a sensibilidade nada tem a ver com o género e estou cada vez mais convencido disso. Agora, ao ler o último verso de Sá de Miranda, que acima transcreveu, ocorreu-me que também na sensibilidade deve existir uma espécie de «linhagem», e acho que começo a entender por que razão este é o seu poeta português preferido.
    Grato, APS. Por tudo.

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  2. Obrigado, também, pelas suas palavras, c. a..

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  3. Um belo texto. Já o tinha lido ontem, mas houve uns problemas de envio.

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