quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O acaso e a necessidade


O título deste poste devo-o a Jacques Monod (1910-1976) que foi prémio Nobel de Medicina, em 1965. O livro de sua autoria teve larga leitura e divulgação, no início dos anos 70, mesmo em Portugal. Mas a minha preocupação, não é científica. Tenho assistido, nos últimos anos, a pessoas da minha e das gerações vizinhas, a ocuparem-se, com desvelo, em leituras religiosas, outros a encarneirarem, cegamente, em teologias ou interrogações do além-morte que, cada vez mais, me deixam cercado, isolado e perplexo. Será que eu vou resistir com o avançar flébil da velhice?
A Cientologia a que aderiram dois meus conhecidos, deixou-me estarrecido e francamente preocupado. Contrapuseram-me que talvez isso os ajudasse a viver melhor. Não consegui responder. Claro que há outros mundos nas cabeças dos outros, mas, e como dizia o poeta: "...porque lhes dais tanta dor/ porque padecem assim?..." Há depois, também, a dedicação religiosa aos animais domésticos - tenho aqui, bem perto, uma ex-professora outrabandista que já está do "outro lado"; e, quando passeia o seu "lulu" fala, continuamente com ele pela rua: altas filosofias, economia caseira, questões religiosas. Claro que a aturar, anos e anos, criancinhas uivantes, o que é que se poderia esperar?
E, depois, há aquele exemplo nobre de uma ex-primeira dama que se re-converteu, depois de um acidente de aviação, quase mortal, do seu filho - que conseguiu sobreviver. Há que compreender este desespero metafísico, e ser tolerante. Mas eu tenho dificuldade. E até percebo que nos encontramos numa nova Idade Média e que a marcha da Humanidade sempre foi feita de avanços e recuos.
Claro que me posso perguntar como é que o meu coração continua a bater, sem eu fazer nada para isso. Ou o meu aparelho digestivo trabalhe sem eu lhe dar ordens para o fazer. Ou porque é que ainda há monárquicos, nesta altura do mundo. Ou o Pol Pot fez o que fez no Cambodja. Para mim, a resposta é: por acaso ou necessidade. Por vezes, há que procurar, em si, as razões dos outros. Ou rematar com Fernando Pessoa (citado de cor) que dizia que a "metafísica era uma consequência de estar mal disposto". Será?

7 comentários:

  1. També, nos anos 70, li esse livro do Jacques Monod e gostei bastante.
    Não conhecia essa frase de Pessoa, e como não me considero mal disposta (só às vezes)...
    Vivo muito bem sem religião e espero chegar ao fim dos meus dias sem necessitar dela. Aliás é um mundo que me é estranho.
    De um ponto de vista teórico quem acredita que há outra vida devia morrer melhor. Será que isso acontece?

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  2. Sobre a sua última pergunta, eu creio que não.
    Entretanto,espero que me vá fazendo companhia na resistência...:)

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  3. Realmente! Próximo de mim, que eu saiba, não conheço ninguém que seja adepto da Cientologia. E, se isso acontecesse, horrorizava um bocado.
    Nunca tive problemas religiosos, a não ser aqueles que todos os miúdos têm, o que no meu caso não posso dizer que tenha sido um problema.
    MR, também costumo dizer que vivo muito bem sem religião. Não me faz falta, nem nunca fez. Amanhã não sei, se acabar a passear lulus pela rua...
    Interrogo-me muitas vezes sobre o porquê de determinados fanatismos religiosos. E o que vai ser da Europa?
    E depois há essas coisas inexplicáveis, como o que leva uma pessoa a ser monárquica, "nesta altura do mundo". Estranhíssimo!

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  4. Tem sorte!, Miss Tolstoi, até porque a Cientologia é uma religião dispendiosa...
    E também faço votos para que continue laica,e republicana, pelo menos...

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  5. ... sim, pode continuar. :) (Na versão do Dr. Soares.)

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