segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Noites passadas


Numa das últimas vezes que passei pela Praça da Alegria vi, com desconsolo, que o velho Fontória tinha cedido o lugar a um qualquer boteco, desses descaracterizados que pululam por Lisboa, a modernista metrópole que se foi vergando, com a ajuda do seu mayor-minor, às exigências do mercantil turismo low cost, de sandálias plásticas e de trotinetes abandonadas por aí.
É certo que já o tinha conhecido ( ao Fontória) bastante decadente, por dentro, com balzaquianas espanholas que, convidadas para as mesas, se encarregavam, ciclicamente fingindo descuido, de verter e deixar cair para o chão copos e garrafas de whisky, para um maior consumo... No início desses anos 70, a boate, conservava a pátina dos anos 40/50. E era castiça pela singularidade. Nova, relativamente, mas com refegos, era uma stripper de Oeiras, que lá fazia o seu trabalho dançante todas as noites, acompanhada por uma vetusta orquestra pródiga em paso-dobles sul-americanos. Revivia-se um passado, por lá, imaginando.


No lado esquerdo, (para quem descia), da Avenida da Liberdade, havia concorrência mais fina. A Cova da Onça e O Hipopótamo, no final da A. A. de Aguiar, ombreavam e pareciam ainda recentes, tinham mais raça e distinção. Não havia porém variedades, mas apenas música ambiente para dançar e umas vistosas vitrines iluminadas, com peluches e bijuteria barata para oferecer às meninas em transumância que por lá passavam. Como quase tudo, o interior humano era nómada e estacionava apenas um pouco nesses apeadeiros de diversão soft.
O último já fechou, há anos, mas a Cova da Onça creio que continua a funcionar na Avenida da Liberdade, apropriadamente...


Ainda me lembro de O Caco, já desaparecido também, creio que na Barata Salgueiro, mais pequeno, modesto, cosy, onde o whisky era mais barato e serviam graciosamente, aos clientes fidelizados e com garrafa assinalada, uns salgados miniatura, ainda mornos e bons, pouco depois da meia-noite. Recinto em que a Cubana, de formas opulentas, reinava e fazia jus em mostrar aos incréus o seu passaporte de nacionalidade revolucionária.
Depois, havia ainda o Nina, ao Chiado, que era mais fino e só lá entrei uma vez. Hoje, é restaurante...
Outros tempos.

7 comentários:

  1. Eu tenho de palmilhar a avenida da liberdade abaixo e acima para achar a cova da onça. Com nome no passeio, não há que enganar. Só entrei em lugares desses usando TV e filmes. Não pode. Tenho que lá ir por meu pé enquanto dura (ela e eu) que qualquer dia só os media e para recordar.
    Talvez não se perca assim tanto. Ou perderá.

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  2. Se me permite, umas informaçõesitas adicionais ...
    Quanto ao "Fontória", foi inaugurado em 15 de Janeiro de 1953.
    O "Nina", inaugurado em 4 de Março de 1941.
    A "Cova da Onça" já não existe, nem o prédio onde estava instalada, pois foi substituído por outro ...
    Faltou referir a "Meca" da night lisboeta o "Elefante Branco" (encerrada no ano passado) na Luciano Cordeiro, inaugurado em 1965 e reinaugurado em 1986 pelo Manecas e Carlos Chaves, vindos do "Cova da Onça".
    Já agora outra mui "importante" casa, desde os anos 70, o "Night and Day", na Av. Duque de Loulé, do José Vilhena da "Gaiola Aberta". Esta casa lá vai resistindo ...
    Os meus cumprimentos
    José Leite

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    1. Muito grato pelas suas preciosas achegas, antes de mais.
      Do fecho da "Cova da Onça" não sabia eu, nem do encerramento do "Elefante Branco" que também ainda conheci. Assim como o "Night and Day" que resiste, afortunadamente.
      Aproveito esta oportunidade para registar e louvar, mais uma vez, a qualidade e labor do seu "Restos de Colecção", que visito assiduamente, e sempre com interesse e proveito pelas matérias abordadas.
      Cordiais saudações,
      Alberto Soares

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  3. Estive uma vez para ir ao Fontória com uns amigos, mas a maldita sinusite não mo permitiu. Parece que não perdi nada porque o ambiente era degradante. De resto fui umas vezes ao Ritz Clube que tinha um par de velhos a fazer strip que era de chorar. Tinha graça o ambiente, numa mistura de lupen e 'intelectuais'. E só podíamos beber bebidas engarrafadas porque as alcoólicos eram todas maradas.
    Fui uma vez ou duas a um bar do Cais do Sodré que tinha projeto e mobiliário de Cassiano Branco. Quando entrámos, um amigo meu disse-me: «Aqui tens de beber pela garrafa; nada de copos.» E lá veio um ginger ale. Esse mobiliário depois acabou num restaurante da Rua da Atalaia.
    Bom dia!

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    1. Dependendo do ponto de vista, o ambiente das boates lisboetas oscilava entre o castiço e o decadente, muitas vezes, em finais do século passado. Mas o ambiente tinha regras próprias e muito aceitáveis.
      Hoje, serão outras, talvez...
      Boa tarde.

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  4. Eu é que agradeço, e aproveito para retribuir a gentileza das suas palavras, para qualificar o trabalho que o Alberto Soares tem vindo a desenvolver neste espaço.
    Os meus cumprimentos
    José Leite

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