sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Os neo-realismos


Um artigo do TLS (nº 6044) sobre a edição, em meados dos anos 40/50 do século XX, de livros destinados à classe trabalhadora inglesa (que se aglomerava sobretudo em zonas de maior incidência industrial: Sheffield, Leeds, Liverpool...), fez-me duvidar da ideia pessoal, que tinha, de que o neo-realismo (literário e cinematográfico, pelo menos) se tinha limitado e proliferado, sobretudo, nos países latinos europeus, da América latina e dos Estados Unidos depois da Depressão de 1929. Uma coisa é certa porém: este tipo de literatura, hoje, dificilmente teria leitores, mesmo que os motivos fossem actualizados. A consciência de classe, do chamado proletariado, é presentemente muito branda e, com excepção minoritária, despolitizada e ideologimente neutra ou ignorante, do ponto de vista teórico. Isto faz com que possa ser capturada, facilmente, por qualquer tipo de populismos: em França, isto tem vindo a ser notório. Mas não só.
Na Inglaterra, e segundo o artigo do TLS, o interesse por esses livros começou a diminuir a partir do momento em que as classes trabalhadoras, tradicionalmente de homens brancos, começaram a ser invadidas por minorias: mulheres, negros, emigrantes. Para o articulista do TLS, esta teria sido uma das razões principais. Tenho grandes dúvidas sobre o facto.
Pessoalmente, considero datas mais marcantes, em Inglaterra, o ano de 1984, com a greve dos mineiros e o ano de 1989, do ponto de vista europeu, com a queda do muro de Berlim. Foi a partir daí que o neo-liberalismo e o capitalismo tomaram freio nos dentes, na minha perspectiva. E o proletariado se começou a descaracterizar como classe, talvez achando possível aceder a outros patamares, em que o consumismo, as revistas róseas e as raspadinhas eram alguns dos novos ópios do povo. Mais recentemente, a vacuidade das redes sociais com os seus temas rasteiros de lana caprina e a banalização paroquial uniformizada da comunicação social, fizeram outro tanto. O menino que cai ao poço, lá longe, ou a menina que desaparece, misteriosamente, são o entretém e as novas telenovelas.
Quem os vai trocar por Steinbeck ou pela leitura de Redol?
E não será decerto Jeremy Corbyn (1949) que conseguirá encarnar num novo angry young man, ainda que actualizado. Muito menos, a senhora May poderá assumir a assombração e o fantasma descarnado de Margaret Thatcher (1925-2013).
Como diria Manuel Bandeira (1886-1968): ..."Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino." Ou então, convocar Paulo Coelho, com a ajuda das artes mágicas de Harry Potter.

4 comentários:

  1. Terminei ontem de reler "A Pérola" de Steinbeck e tendo em conta que ele está a ser novamente reeditado no nosso país, interroguei-me sobre quem seriam os seus novos leitores? O seu excelente texto toca um tema bem importante: a consciência de classe. Algo que começou a ser perdido no início dos anos 80, ao ser substituído pelo desejo consumista, depois seguiram-se os célebres 15 minutos de fama proporcionados pelos meios audio-visuais e redes sociais. neste século XXI, que cada vez mais cultivam a alienação do ser humano, infelizmente com sucesso.
    Desejo-lhe um bom fim-de-semana!

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    1. Não li o livro que refere, mas li alguns de Steinbeck: "As Vinhas da Ira", "Ratos e Homens" e vários contos. Foram leituras proveitosas.
      Bem gostaria eu que voltasse a haver novas gerações de leitores que se interessassem por temas sociais - sempre fundamentais para a formação humana de cada um. Oxalá!
      Retribuo os seus votos, com estima.

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  2. Steinbeck ainda se lê muito bem. Já Redol... Aliás, nunca fui grande leitora e fã da escrita de Redol. Fui uma grande leitora de Namora e acho-o mais legível hoje.
    Bom sábado!

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    1. Creio que "O Barranco de Cegos", de Redol, ainda dá uma boa leitura...
      Bom fim-de-semana.

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