Em Janeiro de 1939, a companhia inglesa de teatro do Old Vic iniciou, de barco (paquete Alcantara), uma tournée que a haveria de levar por alguns países da Europa (Portugal incluído), e até ao Egipto, representando, entre outras peças do seu repertório, o Hamlet, de William Shakespeare.
Alec Guinness, nas suas Mémoires (pgs. 35/6), dá conta das suas impressões, bem como do ambiente que se vivia, em Lisboa, por esses dias. Vou, por isso, traduzir e transcrever um pequeno excerto mais significativo:
Chegámos a Lisboa a 23 pela manhã, e vimos com horror, na descarga (do navio), a carga dos nossos cenários mergulhar majestosamente nas águas do Tejo. Ela desapareceu, depois emergiu e, por um triz, que os adereços não se inutilizaram de todo. Provavelmente, teria sido um erro involuntário do manobrador da grua do cais, mas convém não esquecer que, à época, os ingleses estavam longe de serem populares em Portugal. A guerra civil de Espanha estava para acabar, e a tomada de Barcelona pelas tropas franquistas estava iminente. Quando aconteceu, três dias mais tarde, houve uma explosão de alegria em Lisboa. E isso pareceu-nos deprimente. E ainda mais deprimente, para nós, ao vermos, lado a lado, pelas ruas, luxuosas viaturas britânicas arvorando a União Jack, com carros embandeirados com a cruz gamada, com o sol nascente japonês, bem como as cores nacionalistas espanholas e portuguesas. A maior parte de nós, penso, sentia-se diminuída, estrangeira, isolada, ameaçada - muito temerosos pelos nossos compatriotas em Lisboa. Setembro de 1939 não estava assim tão longe, afinal de contas.