sexta-feira, 21 de julho de 2017

Despedida


A primeira vez que folheei, de empréstimo, Le Nouvel Observateur, terá sido em finais de 1968 ou 1969, num estabelecimento militar, ali para os lados de Sta. Apolónia. O exemplar da revista era do Martins, jovem louro de formação marxista, e que, com o Neves, o Roseta, o Medeiros (de Valpaços, também louro, mas muito de direita, politicamente) e o Trindade, alferes milicianos, além de mim, completávamos a equipa de serviço. Estávamos a cerca de cinco anos do fim do Império...
Na altura, Jean Daniel (1920), pied-noir esclarecido e que fora grande amigo de Albert Camus, pontificava na conceituada revista francesa, que eu comecei a comprar, semanalmente, a partir de 1971. De alguma forma, o magazine contribuiu para fortalecer a minha formação ideológica e política, que se iniciara em Coimbra, em 1963, com as movimentações académicas. E foi com algum orgulho patriótico que vi Portugal, nos anos de 74 e 75, fazer algumas capas de Le Nouvel Observateur.
Com alguns hiatos e, recentemente, de forma mais esporádica (folheava-o previamente, para ver se me interessava), fui-o adquirindo às Quintas ou Sextas-feiras. Mas fui-me também apercebendo, com mágoa, da diminuição gradual de qualidade da revista francesa, das cedências ao lado róseo das coisas, do aumento de imagens nas páginas, da trivialidade de muitos temas abordados, do abaixamento profissional de uma boa parte dos jornalistas e colaboradores.
No local onde o compro, dos 6 exemplares que recebiam, há 4 ou 5 anos, passaram apenas a 2, que, muitas vezes, nem se esgotavam, apesar de menos. Ou seja, nem as cedências à banalidade de parte dos assuntos tratados fizeram com que a revista se vendesse mais - o crime nem sempre compensa, felizmente... E, às vezes, eu pensava que o velho Le Nouvel Observateur se tinha transformado, para além do nome (que agora se chama L'Obs.), numa espécie de Hola de luxo, com temas políticos.
Mas hoje, ao comprá-lo, no quiosque lisboeta habitual, tive mais uma desagradável surpresa. Dos 3,90 euros, que custava, passou a custar 4,70 euros: mais de 20% de aumento, numa publicação que, sendo de prestígio antigo, só tem vindo a piorar de qualidade, nos tempos mais recentes.
Para mim, chega!...

5 comentários:

  1. Mal comparado, porque esta é uma revista "culta", mas aconteceu-me com duas revistas femininas, que comprei durante anos e anos, ter dificuldade em deixar de as comprar. Comprei desde o 1º Número, a "Marie Claire" e a "Elle" portuguesas e a "Máxima". começaram a ser publicadas todas no mesmo ano, com um mês de diferença e na altura (anos 80) creio que se pode dizer que eram revistas com alguma qualidade, dentro do género. A "Marie Claire" acabou e ainda guardo todos os números. As outras duas continuei a comprá-las um pouco por hábito e até por fidelidade, mas tornaram-se apenas "mais do mesmo" e muita publicidade. Acabei por deixar de as comprar há uns anos, mas ao mesmo tempo tive alguma pena.
    São hábitos que representam fases da vida.

    Desejo-lhe um bom fim-de-semana:)

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    1. Penso que esta deterioração acentuada, ultimamente, é comum a quase toda a comunicação social. Hoje na "ípsilon" do Público vem uma crónica muito pertinente, de António Guerreiro, sobre o assunto, que põe o dedo na ferida.
      Em situações deste tipo consigo, quase sempre, ser pragmático e romper a "minha" tradição, embora me custe. Mas já vinha vindo a assistir à penosa decadêncio de L'Obs, desde há mais de um ano...
      Retribuo os seus votos, cordialmente!..:-)

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  2. Uma decisão singular, ao fim de tantos anos...Para render a aprendizagem liceal, eu comprava a L'Express, topei que era de direita mais tarde, tenho ainda a do Eanes e filho na capa. No NouObs, de esquerda, havia no fim dossiers políticos, gostava do papel bíblia, perdi as críticas e entrevistas com Sartre. A que tinha o anúncio dos Novos Filósofos na capa foi-me surripiada por um pensador-carteirista no Festival de Cinema da Fig. Foz. Isso é o preço a pagar do desinteresse da política, pois cresce o cinzentismo. O leitor paga para ainda haver imprensa partidária, francesa, inglesa, e não suportar folhas ditas independentes, que navegam a onda e recebem cheques para levantar questões. Obrigado e cumprimentos.

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    1. Para nos mantermos no francês, citando Aznavour: "...Il faut quitter la table/ Lorsque lámour est desservi..."
      Ainda li alguns números de "L'Express" do Servan-Screiber, que era uma espécie de pré-anunciação de Macron, mais pró-americano, e mais jornalista. Numa altura em que a qualidade do jornalismo se fazia sentir. Hoje, é mais o marasmo da mediocridade - não vale, quase, a pena escolher.
      Grato pelo seu comentário, desejo-lhe um bom fim-de-semana!

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    2. Errata:
      na 2ª linha, onde escrevi "lámour", queria escrever: l'amour.

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