sábado, 29 de abril de 2017

Retratos (17)


O Esteves era um gajo enorme e excessivo que, nos meus 179 centimetros, me ultrapassava completamente.
Depois, usava uns gabinardos ou capotes alentejanos de cores neutras, no Inverno, a dar para o escuro, que lhe sublinhavam a estatura e modos pouco estudados, embora com resquícios de algum mundo. Vivia num rés-do-chão apalaçado (post-República), ali para o Dafundo - vim a descobri-lo, pouco antes de ele se ter ido embora, pressionado. Falava muito, mas dizia pouco, e, no seu ar displicente, infundia alguma credibilidade profissional, sobretudo, nos mais ingénuos e desprevenidos. A Administração deu-lhe um crédito infinito, pelo seu ar de Tio vivido e alfacinha, atribuindo-lhe competências de chefe de vendas, na empresa. Em seu abono, tinha algum sentido estético com que mandou redecorar, com gosto, algumas lojas muito datadas, que proliferavam nos postos de venda da linha de Sintra.
Mas bebia muito em serviço: cerveja sobretudo, mas whiskies também, que mandava lançar, aos Encarregados das lojas, na sua conta pessoal inexistente, de pagamento sempre adiado. Depois teve o azar de se entender, de forma ambígua e sexual, durante breve periodo, com a senhora loura do Serviço Pessoal que, por sua vez, não era pera doce, quanto a feitio, nem passado. A bronca veio à luz: o homem excedeu-se, em suma, sem medir as consequências passionais e profissionais. Ao fim de 3 anos, a Administração acordou. E empurrou-o, ostensivamente, para a demissão sigilosa. E o Esteves foi pregar para a "Pans & Company". Oxalá seja feliz, apesar da arrogância discreta da sua postura...

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Muito lhe agradeço visita e comentário, desejando-lhe um óptimo resto de fim-de-semana!

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  2. Personagem real, num retrato bem apresentado.
    Pedaços de vida. Também gostei como o J.Menéres.

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