segunda-feira, 27 de março de 2017

Memórias de comer fora ou as novas refeições


                           "...a cozinha nova-rica, imitação pindérica da outra, onde os ornatos disfarçam a                                     substância, os rodriguinhos mascaram a essência."
                                             José Quitério, in Livro de Bem Comer (pg. 15)

José Quitério (1942) refere ainda e bem, no livro em epígrafe, que a nossa gastronomia, afora a "Perdiz à Convento de Alcântara", pouco tem de alta cozinha mas, em compensação, é muitíssimo variada e regionalmente muito rica e criativa.
Ganapo era, mal me fora, habituado a comer bem em casa, esportular mal uns tostões em "nova cozinha", que em Portugal não havia, salutarmente, nessa altura. Havia, sim, uns churrascos, fora de portas vimaranenses, já de frangos de aviário, mas bem braseados e acompanhados, que, depois de uns "kings" ou "pokers", jogados, nas férias grandes, pela noite dentro, deixavam os estômagos adolescentes um pouco desacompanhados e infelizes. Iamos então a Covas, a um restaurante modesto que fechava tarde, para petiscar uma ceia condigna e minhota... Mas não era, seguramente, essa fome de séculos lusitana que assegura por compensação deslocada, hoje, no seu esnobismo parolo descendente, as casas cheias dos avillezes lisboetas, que vão grassando como cogumelos, ou tortulhos - para usar a língua charra portuguesa. Deus lhes perdoe e os faça esquecer os famélicos avoengos que se bastavam com um caldo gorduroso mais uma magra sardinha, quando havia, e um naco de broa de milho. Se tanto tivessem à frente, nas pobres mesas de pinho de casas enfumaradas, pelas aldeias e pequenas cidades portuguesas de antanho. E, de manhã, antes da infrene labuta diária, à falta do cafèzinho com leite, mai-lo fresco pão com manteiga, o mata-bicho alcoólico desencadeava forças, paraísos artificiais e alegria. Hoje, felizmente, há o brunch, para esquecermos ou renegarmos os antepassados. Barata é a feira, global...

P. S.: à guisa de explicação, esta diatribe em prol da cozinha tradicional portuguesa explica-se melhor se eu disser que, ontem e em casa Amiga, por convite fraterno, comemos umas deliciosas "Tripas à moda do Porto", acompanhadas por um néctar excepcional do Dão, de que falarei mais tarde, e como bem merece.

8 comentários:

  1. Vá lá, há lugar para todos. Faça como eu: ria-se na cara dos vis avilezes e das suas dezenas de euros por um escarro no prato (e perdoe-me a imagem).

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu não diria melhor..:-))
      Abraço cordial e votos de boa semana!

      Eliminar
  2. Eu diria que quem me tira uma boa tasca, tira-me tudo...:-))) As saudades que eu tenho de um torresmo e de um queijo fresco ou de um alheira...
    Boa tarde!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois, por cá ainda vai havendo, por enquanto..:-)
      Uma boa noite!

      Eliminar
  3. Se há coisa que não me faz o gosto é tripas, seja qual for a moda. Mas o Avillez, que até entende da poda, também não me faz o género. E nem a nouvelle cuisine com uns pratalhões e uma ervilha de alimento no meio. Não quero cá saber se doseiam as calorias, se não fico com fome, se saio satisfeita. Eu gosto de estar a mastigar, de sentir o sabor em cada colherada ou garfada, e de saber que vou repetir e re-repetir a mesma operação. Não gosto de comer depressa os alimentos em que faço gosto.
    O que digo da nouvelle cuisine e da cozinha molecular toda cheia de sabedoria química é que não me dá a oportunidade que eu preciso: tempo. Gastar tempo a comer. E acabou.
    Mas desejo aos cozinheiros muita saúde, sorte e sabedoria para bem servirem em qualquer ramo a que se dediquem.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Na verdade, no mastigar também está o ganho..:-)
      O problema do Avillez é que é como os eucaliptos: vai secando tudo à volta. E o Chiado, e contrafortes, está em grande parte por conta dele.
      Valha-nos o Bairo Alto que vai mantendo alguma diversidade e trdição porque inovação, sim, mas devagar!

      Eliminar
  4. Do Avillez só conheço O Cantinho. Das duas ou três vezes que lá fui, gostei. De resto, não conheço. Mas acho que se está a expandir muito e não há quem aguente gerir, com qualidade, uma quantidade tão grande de restaurantes, mais um programa de televisão, mais livros de cozinha...

    Quanto ao Quitério é outra lavra. Tenho saudades das crónicas dele.

    E gosto do que , em Lisboa, chamamos tripas à moda do Porto. Porque uma vez no Porto apareceu-me um intestino enfarinhado e recheado não sei de quê. Um horror!...
    Há dias que penso em fazer umas tripinhas...

    Boas comidas!


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O Rapaz está em todas e o Marcelo também o ajuda...Mas também concordo que a multiplicação, muitas vezes, dá raia. E também acho que é por ser "chic" ou de bom tom e moderno que a "nouvelle cuisine" tem sucesso em determinadas classes.
      Pois (obrigado), vou fazendo por isso: anteontem, foi lampreia, à bordalesa, que estava um esplendor (talvez venha a falar dela, aqui)...

      Eliminar