domingo, 26 de março de 2017

Da leitura (21)


Ao que consta, Volcoens de Lama (1886) terá sido a última novela escrita por Camilo Castelo Branco (1825-1890), já então assoberbado por quase total cegueira. Obra irregular, os fiéis do romancista de Ceide hão-de lê-la, no entanto, com agrado, movimentada que é em peripécias e cenários, que vão do Porto até Goa, e cujo estilo balança entre realismo e romantismo, a que não faltam as suas doses equilibradas de drama, mas também de ironia. E com final relativamente feliz.
Ora atente-se nesta abordagem, bem humorada, de um casamento de conveniência, na página 207, desta segunda edição (1898) do romance camiliano: ... A terça da Balbina excedia trinta a trinta e cinco mil cruzados: era um dos maiores dotes dos trez concelhos visinhos.
Divulgado o projecto da doação, os duodecimos representantes dos Ratos do seculo XIV reconciliaram-se com o mano José. Emfim, trinta ou trinta e cinco mil cruzados... tinha desculpa. O amor é cego; mas o dinheiro é um optimo operador das cataractas. José Rato, com trinta mil cruzados, em Fermêdo, não era um cego de paixão, casando com Dorothêa; tinha mais olhos que um pôlvo, e podia rir-se da myopia do Argus dos cem olhos.
Dez euros me custou esta segunda edição camiliana, em muito bom estado. Dei-os por bem empregues porque a leitura deslizou apressada. E contente.

8 comentários:

  1. ahahha. Gostei especialmente da parte do dinheiro ser um bom operador de cataratas ahhah
    Bom Domingo!

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    1. Camilo sabia do que falava, porquecasou o filho mais novo (Nuno) com uma rica herdeira, mediante o rapto da jovem..:-)
      Retribuo os votos!

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  2. Já vi o que anda a ler. :) Lembro-me de o ter lido, mas não recordo nada da história. Devia relê-lo.
    Bom domingo!

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    1. Não é dos melhores romances de Camilo, mas lê-se muito bem.
      Boa tarde domingueira!

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  3. O humor camiliano no seu melhor. Camilo, Eça, Ramalho, que falta nos fazem estes homens de letras neste século xxi! Os livros permanecem um óptimo companheiro de viagens.
    Bom domingo, apesar da chuva!

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    1. Diz bem: no presente, não temos nada que se compare aos escritores que refere, mesmo com muito boa vontade. A questão também passa pelo fraco critério das editoras e, talvez, pouca exigência de grande parte dos leitores, muito "desabituados" dos clássicos e da qualidade.
      Uma boa noite! E melhor semana, se possível, com pouca chuva...

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  4. Do que transcreveu, se assim se pode ajuizar, parece interessante e até bem humorado, ainda que as cataratas tenham surgido, estou convicta, mais pela situação que vivia. Não conseguimos imaginar o que sofre alguém que cega.
    Até o preço sugere:).

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    1. Muitos autores acabam por levar para a sua obra, embora transfiguradamente, as preocupações da sua própria vida - terá sido o caso.
      Uma boa semana!

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