segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Marcos Ana (Alconada,1920-2016, Madrid)

Há pouco mais de duas semanas (24/11/2016) faleceu, em Madrid, o espanhol Fernando Macarro Castillo que, como poeta, usou o pseudónimo de Marcos Ana (1920-2016). Encarcerado pelo regime franquista, com pouco mais de 15 anos, pela sua actividade ao lado dos republicanos, foi libertado apenas 23 anos depois, em 1961, por pressão da Amnistia Internacional e de vários intelectuais estrangeiros. É desse tempo de prisão o seu mais conhecido poema Decidme como es un arbol, escrito com 22 anos de idade. Que passamos a traduzir, fazendo-o acompanhar pela leitura do Poeta, em vídeo, no início deste poste.

Decidme como es un arbol

Dizei-me como é uma árvore,
contai-me como chilreia um rio
coalhado de pássaros,
falai-me do mar,
do cheiro amplo do campo,
das estrelas, falai-me do ar,
descrevei-me um horizonte
sem limites nem chaves
como a cabana de um pobre,
dizei-me como é um beijo de mulher,
dai-me o nome do amor,
porque já não o lembro.
Será que as noites ainda se perfumam
de enamorados sob a lua,
trémulos de paixão,
ou já só resta um abismo?
A luz coada da masmorra
e a canção da minha rosa
de 22 anos, já me esqueço
da dimensão das coisas,
sua cor e aroma,
escrevo às cegas sobre o mar,
o campo e o bosque,
digo bosque
e sinto que perdi a geometria da árvore.
Falo por falar sobre os assuntos
que os anos me fizeram esquecer,
e nem posso já continuar: ouço perto
os passos do carcereiro.

8 comentários:

  1. Respostas
    1. Mais ainda, ao imaginarmos o contexto e circunstâncias em que foi escrito.
      Boa noite!.

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    2. Claro. Tive isso em conta. Até me lembrei de um poema de António Borges Coelho, escrito em Peniche:

      ...
      Ouço o fragor da vaga
      Sempre a bater ao fundo,
      Escrevo, leio, penso,
      Passeio neste mundo
      De seis passos
      E o mar a bater ao fundo.
      ...

      Bom dia! (Por aqui, por enquanto, enevoado.)

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    3. O ar também está "sebástico", por aqui..:-)
      Bom dia!

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  2. Que perfídia entregar ao cárcere alguém tão jovem e conservá-lo ali por 23 anos sonegando-lhe a vida a que tinha direito.
    E como pode ser belo e comovente ainda assim haver na alma um poema que é lamento pelo que, irremediável, se perdeu. Que tudo é outra coisa perto dos quarenta e falta no homem a sequência de sonho e real que pertence a cada idade. E ele, dessa falta fez poesia. Magnífico.

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    1. As leis das ditaduras são sempre draconianas: Marcos Ana só escapou ao garrote por ser menor...
      Quando lhe perguntavam a idade, descontava os 23 anos que passara na prisão. Virgem, quando foi solto, ainda veio a casar e teve um filho aos 42 anos. Mas não guardou ódio aos seus carrascos, a sua mensagem era de concórdia - um pouco como Mandela.

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  3. Entre o ódio e a concórdia vai um longo caminho. E Marcos Ana ainda viveu, depois de sair da cadeia, 14 anos de franquismo, que não foram anos nada brandos. Não havia concórdia possível com um regime daqueles.
    Bom dia, novamente.

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    1. Pelo que sei, depois de ser libertado viveu em França e América do Sul, até regressar a Espanha depois da morte de Franco.

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