sábado, 24 de setembro de 2016

Presente passado


Ler um jornal atrasado tem algumas peculariedades singulares, sobretudo porque nos desaproxima da emoção das notícias, deflaciona os acontecimentos, redu-los, muitas vezes, a cinza fria.
Será, de algum modo, a mesma sensação que perpassa pelas novelas de Somerset Maugham, quando o escritor britânico descreve a leitura de "The Times", duas ou três semanas depois de publicado, às mãos dos administradores do Império, na Índia, em Singapura... Provavelmente, impressões semelhantes que experimentavam os administrativos portugueses, nas colónias, quando recebiam, por exemplo, o DN, com semanas (?) de atraso. Isto, antes da Internet baralhar os dados, através das auto-estradas de informação.
Havia em tudo isso uma vantagem, porque o tempo resolve algumas coisas, remedeia outras, reduz os acontecimentos a uma mumificação do passado, com o seu valor mais relativo. E poupa-se na leitura. Hoje, ao folhear um jornal de há doze dias, fiz, natural e mecanicamente, uma triagem salutar. Ficaram as crónicas intemporais, uma entrevista que podia ser de ontem, duas ou três informações de interesse e pouco mais. A maior parte das notícias, até as de primeira página, tinham perdido o picante, a importância (que lhes tinha sido dada), a actualidade fremente, enfim, pela banalidade que o tempo introduzira nos seus desenvolvimentos.  

6 comentários:

  1. Compreendo perfeitamente. Aliás, um dos meus prazeres preferidos quando faço investigação histórica é ler revistas e jornais antigos (de preferência com mais de 100 anos). Até os anúncios têm graça! Bom Sábado!

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    1. Nessa transformação em "História", as notícias acabam por ganhar uma "sábia" neutralidade, que nos alerta para a efemeridade de quase tudo. Mesmo que tenha sido importante, na altura. Tudo ganha a sua tranquilidade natural...
      Bom fim-de-semana, Margarida!

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  2. À noite muitas noticias da manhã já não interessam. Por isso se vendem muito menos jornais hoje. No princípio do século XX havia jornais portugueses com tiragens de mais de 100 000 exemplares.
    Também o conceito de notícia evoluiu e não para melhor, do meu ponto de vista.
    Quando passo os olhos por um jornal de há dois ou três das, leio algum artigo ou entrevista que me interessa ou rasgo as folhas para os ler quando tiver tempo.
    Há 40 anos em muitas terras do país, lia-se o jornal no dia seguinte.
    Bom dia!

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    1. É verdade mas, habituado que fui, ainda hoje compro diariamente o jornal, para o ler, em papel palpável..:-)
      Creio que os habituais directores, hoje, preocupam-se mais com a publicidade do que com a qualidade das notícias e a forma de escrita. Veja-se o inefável e solar Saraiva a publicar mexeriquices para ganhar dinheiro com os potenciais leitores papalvos, habituados às "róseas". É toda uma outra gente: venal, medíocre, sem nenhuma qualidade jornalística.

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  3. Passado: La Guerre Illustrée-Mars 1917.
    Na minha mão o prazer de tocar uma revista envelhecida
    cheia de imagens de uma guerra tão distante. Quase 100 anos!
    As guerras continuam, é um mal da humanidade. Uma "Illustração
    Portugueza" de 28 de Agosto de 1911, tendo na capa uma bela
    fotografia do Dr Manuel d´Arriaga.
    Julgo terem sido dadas ao meu pai pelos patrões.E ele guardou-as,
    decerto sem pensar que mais tarde eu as teria na minha mão.
    Obrigada meu pai.Estes testemunhos amarelecidos são uma prenda
    valiosa, que me faz bem à alma.
    Agradeço o espaço para as "minhas" recordações.
    Desejo-lhe uma boa semana.

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    1. Nunca se adivinha aquilo que uma coisa antiga pode despoletar na nossa sensibilidade e imaginação...
      Livros, revistas, pequenos objectos, coisas simples reconduzem-me muitas vezes às impressões iniciais que tive ao recebê-los, embora não com tanta nitidez. A memória é, por isso, e com o olhar uma das riquezas maiores do ser humano.
      Muito obrigado. Retribuo, cordialmente, os seus votos.

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