quinta-feira, 25 de maio de 2023

Osmose 130


Há tempos e textos que, por vezes, nos encantam. Não serei muito sujeito a fascínios excessivos e inexplicáveis, mas sei reconhecer e admirar a qualidade de um parágrafo, a concisão de um pensamento ou a nitidez de uma descrição, a forma justa, precisa e realista de narrar um acto. De alguma forma, é isto que sinaliza um bom romancista, um poeta, um artista profissional na sua obra. Ou um homem atento à vida, pelo menos.
A página 258 de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, fez-me parar na leitura para pensar melhor estas palavras assim ditas (ou escritas), do escritor brasileiro:

Não iríamos, por fraqueza, responsabilizar o capitão moreno de voz frágil: ele apenas descobrira as nossas tendências, empregara o meio conveniente para transformá-las em acção. Reside nisso talvez o domínio que certos indivíduos exercem sobre a turba; o seu prestígio vem da faculdade quase divinatória de conhecer aspirações e interesses escondidos, juntar grãos de pólvora derramados nos espíritos, chegar-lhes um fósforo em cima. Certo não nos mexeremos à toa: o mais longo discurso incendiário, profuso de razões, não ressoa cá dentro - e permaneceremos calmos, frios; meia dúzia de palavras curtas nos arrastam.

Eu creio que seria muito difícil conseguir dizer melhor. Este facto bem difícil de descrever: o poder encantatório das palavras ou o timbre contagiante de uma voz.

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