quinta-feira, 1 de julho de 2021

Apontamento 142: Literatura de Viagens


Para quem estudou, com proveito e orientado por Professores eruditos e sábios, para não falar de uma humanidade e humildade extremas que o profundo desejo de conhecimento do outro confere, não pode deixar de compreender o sentido profundamente negativo, mas actualíssimo, do termo «disneylandizara-se» que António Mega Ferreira utiliza, no seu livro Itália. Prática de viagem, Lisboa Sextante Editora, 2017, p. 236, ao falar da sua última visita a Pompeia, com a imagem da capa reproduzida acima.

O profundo desgosto que sinto, quotidianamente e completamente desumano, ao sair de casa e olhar para a indigência mental, cultural, social, ambiental – de sujidade inqualificável - do Largo de Camões, para não falar dos ruídos estridentes no Largo do Chiado e nas manifestações impróprias e barracas indigentes ao ar livre, apenas encontra um adequado relato nas palavras de António Mega Ferreira.

A saber:

“Só regressei a Pompeia mutos anos depois, nos anos finais do século passado. O sítio «disneylandizara-se»: para aproveitar a massificação do turismo favorecida pela redes industriais low-cost, a administração dos beni culturali italianos transformara Pompeia numa espécie de parque temático do Império romano, cuja porta de entrada, a Porta Marina, se encontrava sitiada por barracas de souvenirs, roulottes que vendiam panini e refrigerantes, vendedores ambulantes e guias de ocasião, autocarros de turismo e automóveis de aluguer, tudo numa algazarra que, aos meus ouvidos formatados para o silêncio dominante de vinte anos antes, me pareceu uma feira invadida por hordas de turistas sequiosos de qualquer coisa (não há pior que um turista sequioso de qualquer coisa, que se traduz, normalmente numa fotografia desenquadrada), andando de um lado para outro, olhando para tudo e não vendo nada, obstruindo o caminho e trocando dichotes em alegre gritaria. Pompeia já não era o que fora.”

Ora, o residente ficar confinado a sair de casa entre as 9.00 e às 10.00 horas, para encontrar o centro da capital de um país, num sossego aceitável, não me parece, DE TODO, saudável.

Contrariamente a umas promoções de uma espécie de MAGAZINS, utilizando uma falsa diversidade das cidades, especificamente Lisboa, para apoiar manifestações culturais – normalmente indigentes, ruidosas e até escabrosas no centro da cidade – não parece, sequer, que o seu “logo” represente a cidade. Um friso de energúmenos sem graça, nenhum dos facinórios encontra alguma parecença com um residente REAL, NORMAL. Qual a intenção, o propósito para além da degradação ?

No fundo é a negação da cidade para os residentes, promovendo as actividades dos prevaricadores como o fim último da existência, abrindo o espaço a manifestações sem critério, nem regra.

É também por isso, que os direitos dos residentes – ao sossego e à sua identidade – não costumam fazer parte das notícias.

Infelizmente sinais do tempo.

 Post de HMJ

 

8 comentários:

  1. Concordo consigo - é uma das vantagens de não se viver no centro de Lisboa. Não se é obrigado a um confronto quotidiano com uma imagem que alguns querem transmitir de Portugal (neste caso Lisboa) aos turistas, que não corresponde à realidade e sim apenas àquilo que desejam transmitir, como uma espécie de cartão de visita (um bocado pimba), apregoando que Lisboa é o melhor destino de férias. Eu, apesar de ser alfacinha, nem sequer gosto de fado ou futebol, muito menos de touradas, e etc. Ainda por cima com preços que só são baratos para os turistas, mas caros para nós. E esta é a versão Covid, quando é o normal ainda é pior. Os italianos ainda devem estar piores, nesse aspecto. O turismo pode ser bom, mas não desta maneira. Bom dia!

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    1. Para Margarida Elias
      Nem sequer me referi ao ar de desafios destas hordas - SEM MÁSCARA - a olhar para nós, íncololas, mascarados. Frequentemente evito sair para não me incomodar.

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  2. Eis um dos locais que gostava um dia de visitar, Pompeia. Mas se por lá encontro o movimento da Baixa lisboeta nos seus piores dias de turismo, dispenso. Evitávamos Lisboa pré-pandemia... pós-pandemia, a acontecer, vai ser um movimento assustador, com tanta promessa de maravilhas para turistas que querem comer e beber em primeiro lugar, bom e que é barato para os ditos.
    Bom fim de semana

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    1. PAra PNLima,
      OS ruídos de pretensos músicos - sempre com altifalantes para encobrir a deficiente formação musical - é francamente inaceitável. Até se ouvem os gemidos nas ruas mais afastadas do Chiado.

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  3. Aqui há uns meses, Pompeia reabriu depois de obras para poderem mostrar novas descobertas. Se eu tivesse podido, tinha viajado para lá, visitava Pompeia e regressava imediatamente. Nesse dia se tivesse dez visitantes era muito.
    Gosto muito dos policiais de Donna Leon, passados em Veneza. Nesses livros ela dá conta do inferno que é viver naquela cidade e como os venezianos foram viver para os bairros menos centrais, levando com eles os seus costumes, os restaurantes onde se come boa comida italiana, etc.
    Já vi que o 'flamengo' voltou ao Chiado, frente à Brasileira.
    Há dias fui jantar à Portugália do Cais do Sodré. Vinha uma barulheira do restaurante do lado, que tem alvará de discoteca. E segundo me disseram aquela barulheira chega à Calçada do Marquês de Abrantes.
    Deixo só uma palavrinha dizendo que gostei deste livro de Mega Ferreira. E ainda gostei mais do que ele tem sobre Roma.
    Bom fim de semana!

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    1. Para MR:
      A cena mais revoltante que já vi foi uma criatura transvertida, de patins, transformando o Largo do Chiado numa casa de passe ao ar livre,com os seus gritinhos e malabarismos, muito ao gosto dos basbaques "hooliganescos" da assistência. Não entendo como a CML não toma nenhuma medida para acabar com semelhante degradação, indigência e violência. De ruído nem se fala. De Verão, com frequeência, temos que fechar as janelas. Ora vem a pimbalhice do Chiado, ora do Cais do Sodré.

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    2. Ainda ontem dizia que o mal é o país estar dependente do turismo, para sobreviver economicamente, o que é miserável, porque mal nos podemos defender destas situações - quando o fazemos ficam logo os donos de restaurantes e de hotéis em pânico. Assim, é difícil conter a pandemia em Portugal, quanto mais o resto... É, pelo menos, a minha opinião. E acho que a estratégia a médio longo prazo deveria ser uma economia menos dependente do turismo, pelo menos deste turismo de massas e desregrado. Bom dia!

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    3. PAra Margarida Elias
      Pois, este modo de vida, orientado quase exclusivamente para o lúdico e o pretenso bem-estar vegan, em detrimento de uma formação mental estruturada e esclarecida, apenas alimenta uma camada de pequenos, médios e grandes mafiosos, com recurso à exploração de mão-de-obra barata. São os arrumadores a substituir as forças de segurança, controlando as ruas e os estacionamentos. São os tuc-tuc, ubers, apanhadores de produtos vegans e quejandos a alimentar um pretenso bem-estar completamente desumano. E por cima pairam todos os empresários ligados a esta indústria de desenganos. Haverá criatura mais abjecta do que o fulano da Ryanair ? Serão, certamente, meia dúzia que nunca comprariam um bilhete àquela besta. E o benefício para as contas do Estado: entre o encargo da pandemia para todo o serviço de Saúde e a receita líquida do Turismo, parece que ninguém quer o sabe fazer ! Mais do que nunca deverá ser também cada indivíduo a tentar mudar o seu modo de vida, enquanto o CAPITAL tal permite. E quem aproveita esta completa ausência de bom senso e regulação democrática é a DIREITA. Não é por acaso que o poiso preferencial do Chega é o Largo de Camões !

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