sexta-feira, 16 de julho de 2021

Mais 3 fragmentos (traduzidos) do "Bloc-notes IV" de F. Mauriac (1885-1970)

 


Samedi 17 juillet 1965
(...)
«Grandeza de alma humana", escreve Pascal no seu Memorial. Valéry prolonga até ao infinito esta grandeza.
No entanto este pensamento pesa-me: «Aquilo que vos traz arrependimento nunca existiu...» Creio que não se pode dizer nada mais triste a um sobrevivente. Não é verdade senão em relação ao amor dos corpos. Mas, enfim, será que alguma vez amamos um ser humano pela sua alma? Podemos negá-lo, é certo: concedo ao amor, o que interessa ao coração carnal, e não diz respeito às relações de espírito a espírito. (pgs. 111/2)

Samedi 21 août 1965

Um jovem confrade, vindo para me entrevistar, pergunta-me se sou feliz ao pensar que os jovens ainda me lêem e gostam de mim. Respondo-lhe que a televisão, ao menos, serve para isso, para me dar a sensação da minha própria heterogeneidade. Não é somente a avançada idade que me isola desta geração, mas a minha própria natureza. Eu não estava menos só aos vinte anos, é verdade - só que alguns amavam-me e eu amava-os: a amizade era o único terreno possível... Mas a velhice apanhou o peixe longe desta água doce. Ele nada, mas mais fundo agora, a uma profundidade onde já não há mais ninguém. (pg. 121)

Jeudi 26 août 1965

Ontem, ouvi um disco de Clara Haskil. No outro dia era Roger Vailland que ocupava o espaço do pequeno ecrã. Os mortos não estão menos mortos do que outrora: fazem de conta de estarem lá. É a imagem de um instante, é a duração que se transforma em nada. Não sei o que ressentem aqueles e aquelas que amaram com verdadeiro amor estes regressados da televisão e estes intérpretes que o disco permite escutar, enquanto que eles se transformaram nessa coisa que já não tem nome em nenhuma língua. (pg. 125)

4 comentários:

  1. Amanhã também é sábado, 17. 😊 Não sei se concordo com o extrato deste dia.
    Quanto ao do dia 21 ago., é triste uma pessoa ver os amigos a desaparecer.
    Bom dia!

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    1. Curiosa coincidência.
      É uma das consequências da vida se prolongar, em alguns...
      Boa tarde.

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  2. Uns excertos interessantes, mas melancólicos. Acho curiosa a relação com a televisão, que era uma novidade na altura, fazendo pensar em coisas que hoje damos como normais - entre elas, ver um cantor já falecido a actuar. Boa tarde!

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    1. A diferença de 3 anos (minha, de Mauriac) permite-me perceber grande parte destes desabafos. O escritor francês tem observações muito interessantes.
      Boa tarde.

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