terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Recuperado de um moleskine (37)

 


É sempre uma tentação voltar ao Largo, à procura do que sei já estar extinto. Por vezes o instinto é um caminho à parte, ou um atalho estranho que se impõe de nenhures. A praça quase poderia ser o centro de uma aldeia interior, no seu formato irregular e hexagonal. Duas ou três árvores despidas por Janeiro. Com vento, ouvem-se as ondas a bater no cais desmoronado, lá ao fundo. E há tudo o que poderia fazer falta numa vila pequena: farmácia, tabacaria, café, mercearia, o posto de correio... Volto à paisagem e sossego ao ver-te sorridente na fotografia da memória, embora a luz, agora, seja do Sul, limpo, e nem haja vestígios de rio ou mar pelo cenário ermo e vazio. Depois, há sempre a tentativa de atenuar ou expiar a culpa, ainda que ela nem sequer exista. Afinal, que sabemos nós da ficção que, por vezes, nos invade brutalmente a realidade de viver, seja por via da dor, da saudade ou daquilo que é irremediável? Que sirva de exorcismo o que não tem remédio... Fique a rocha bruta a brotar do rio, e as águas à nossa frente, logo pela manhã. Tudo o resto é extático, irremediável, fixo no passado, já sem história à vista.

10 comentários:

  1. Que maravilha de texto ( lido no momento em que a noite se despede ).

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    1. Muito lhe agradeço a leitura amiga e paralela.
      Um bom dia de saúde.

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  2. Eu já tenho receio de gastar a palavra saudade, pois ocorre-me como nunca.
    ~CC~

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  3. Muito bonito, texto e foto! Perfeito!

    Bom dia:))

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  4. Belo texto e também a paisagem da fotografia. Bom dia!

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  5. Esses moleskine são pérolas: existem mesmo ou está tudo escrito na sua memória?
    Já vim aqui ler várias vezes e, nem sei porquê, comovi-me sempre.
    Gostei muito, muito de ler.
    E mais não sei dizer...
    Boa tarde.
    🌱

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    1. Camões falava de "...puras verdades já por mim passadas", e os moleskines (2 ou 3) existem mesmo, mas a memória e o tempo é que limam os sentimentos.
      Boa tarde.

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