quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

De "Casa Grande e Senzala", um pequeno excerto



Muitos textos deste livro admirável dão-nos análises profundas, para não dizer saborosíssimas, e explicações originais sobre aspectos da vida e alma brasileiras. Ora atente-se neste bocadinho da página 135, da obra prima de Gilberto Freyre (1900-1987), Casa Grande e Senzala:

"... Quase toda a criança brasileira mais inventiva ou imaginosa, cria o seu macobeba, baseado nesse pavor vago mas enorme, não de nenhum bicho em particular - nem de cobra, nem de onça, nem de capivara - mas do bicho tutú, do bicho carrapatú, do zumbí: em última análise do Juruparí. Medo que nos comunica o facto de estarmos ainda tão próximos da mata viva e virgem e de sobreviver em nós, diminuido mas não destruido, o  animismo indígena.
O complexo brasileiro do bicho merece estudo à parte; é dos mais significativos para quem se interesse pelos problemas de relações e contacto entre culturas desiguais. No que há de vago no medo do bicho manifesta-se o facto de sermos ainda, em grande parte, um povo de integração incompleta no habitat tropical ou americano: mas já a fascinação por tudo o que é história de animais, mesmo assim vagamente conhecidos, o grande número de superstições a eles ligadas, indicam um processo, embora lento, de integração completa no meio; ao mesmo tempo que a sobrevivência de tendências totémicas e animistas. ..."

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