quarta-feira, 9 de março de 2022

Divagações 178



A divulgação de inéditos póstumos de escritores falecidos, por parte de familiares, amigos ou admiradores, colhe normalmente alguma perplexidade e divide críticos e leitores. No entanto, a não acontecer, não teríamos tido acesso, por exemplo, às esplêndidas obras de Cesário Verde e à Clepsidra, de Camilo Pessanha, que, se não fossem os cuidados da família Castro Osório, teria ficado sepultada na acédia ou abulia do Poeta. É óbvio que a decisão de publicar inéditos implica conhecimentos literários e, antes de mais, sentido crítico e estético por parte do decisor.

No sentido favorável se pronuncia, de algum modo, J. M. Coetzee (1940), em Textos sobre Literatura (2006 -- 2017), assim: " Se Brod tivesse cumprido as determinações de Kafka, não teríamos nem O Processo nem O Castelo. Como consequência de sua deslealdade, o mundo não só ficou mais rico como se viu transfigurado, metamorfoseado. Assim o exemplo de Brod e Kafka não deveria bastar como prova de que os testamenteiros literários - e talvez os testamenteiros em geral - devem dispor da liberdade de reinterpretar as suas instruções à luz do bem de todos?" (pg. 278)

4 comentários:

  1. Um dos maiores barretes que comprei na vida foi um livro de "inéditos" da Enyd Blyton, que tinham sido encontrados numa arca no sotão ...
    Bom dia

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    1. Não se pode "dignificar" tudo o que ficou inédito: há que ser muito cuidadoso.
      E o maior problema é se o objectivo é ganhar dinheiro ou a ganância...
      Bom dia.

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  2. Ando por acaso agora com uma situação semelhante entre mãos. É difícil decidir entre respeitar a vontade do falecido e divulgar uma obra que pode ser interessante (e mesmo de grande qualidade). Bom dia!

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    1. O dilema é, quase sempre, oscilarmos entre o sentimentalismo e a frieza crítica... Não é fácil.
      Bom dia.

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