Episódios de viva voz 2: A fuga de civis (1945)
Na sequência do "post" anterior, sobra espaço e memória para as populações que, por um lado, sofreram antes com as ocupações inimigas ou, por outro, foram obrigadas a ceder o seu espaço aos avanços das tropas vencedoras. Em todo o caso, os nossos episódios de viva voz não se enquadram em nenhuma ideologia disfarçada de apoio ao antigo "Reich" germânico, tão acarinhada por determinadas confrarias alemãs de "espoliados do leste". Aliás, consideramos que os fugitivos do leste foram os mais penalizados por essa falsa "grandeza" populista, alimentada em períodos de crises económicas e de lideranças "primatas", ávida em aproveitar uma estrutura matricial de um povo e de uma cultura para fins impróprios e de promoção pessoal.
Posto isto, convém partir de dados objectivos. Dizem-me as estatísticas que 14 milhões de alemães fugiram, no final da 2ª Guerra Mundial, dos territórios a leste e à medida que as forças vencedoras avançavam. Dois milhões de civis faleceram nessa fuga. Não se contabilizam, nesta estatística, os óbitos dos soldados.
O relato de viva voz, reconstituído por fiapos vagos, quase de sobressalto, e embora sendo subjectivo, não carece de veracidade e, confrontado com fontes alargadas, confirma a experiência marcante na Europa do século passado.
Em Janeiro de 1945, com o avanço do exército russo, as populações de origem alemã do antigo domínio da Ordem Teutónica (OT), ficaram perfeitamente encurraladas e abandonadas à sua sorte. Por um lado, a ordem de resistência imposta pela política alemã, impedindo a saída atempada das populações civis, por outro, o avanço inexorável das tropas vencedoras, obrigou a experiências quase incompreensíveis para o dia de hoje.
Uma mulher, nascida no ano de 1913 na antiga Prússia de Leste e com residência numa localidade chamada Mohrungen, encontrava-se grávida do terceiro filho em Janeiro de 1945. O marido, militar, fizera-lhe um filho em 1939, certamente antes de partir para a guerra, outro, em 1941, porventura durante uma licença. O terceiro e último nasceu, a 26 de Janeiro de 1945, já fora da residência habitual e durante a fuga, no lugar de Maldeuten, numa quinta com o mesmo nome e que, segundo testemunho, já estava a arder em sequência dos ataques frequentes.
Ao que parece, a coluna em fuga concedeu apenas o tempo indispensável ao nascimento da criatura, reservando à parturiente, depois, o lugar destinados aos velhos, doentes e defuntos na carroça. Privilégios em tempos em que não se limpam armas! Os restantes, inclusivamente os irmãos mais velhos de 6 e 3 anos e meio de idade, não tiveram direito ao conforto na carroça. Assim, na família, ficou célebre uma expressão do irmão do meio que, ao caminhar, murmurava: "não posso mais, não posso mais, fico sentado na neve", aspiração impossível por significar a morte por abandono da coluna no meio de neve.
Ao chegar a Berlim, no final da 2ª Guerra Mundial, o panorama era semelhante à imagem reproduzida:
No meio da destruição, parece que ainda houve médicos a assistir aos fugitivos antes de continuarem a sua saga para os diversos estados que, actualmente, constituem a Alemanha. Não custa acreditar que o médico berlinense que observou a parturiente não se convenceu, à primeira, da veracidade do seu relato dos acontecimentos. De facto, o recém-nascido em Maldeuten (Prússia de Leste) tinha sobrevivido, assim como a mãe.
A mãe e os três filhos passaram a viver e crescer na cidade da Bayer, Leverkusen, tornando-se pessoas que, entre outras qualidades, se destinguem pela sua determinação invejável para ultrapassar adversidades sem esquecer o lado humano da vida.
Calhou-me em sorte que a mãe dos três filhos se tornasse, mais tarde, minha madrinha de baptismo e, como dizem os entendidos em astros, me tivesse transmitido, porventura, uma parte ínfima da sua tenacidade para além de outros saberes de que falaremos oportunamente.
Post de HMJ
Tempos horríveis, mas quem os viveu parece apreciar melhor as coisas boas da vida.
ResponderEliminarQuem os viveu e sobreviveu.
ResponderEliminarHMJ,
ResponderEliminarJá era para ter escrito ontem , mas não consegui.
Parabéns por estas suas «Linhagens» e obrigada por as partilhar connosco.
Para as minhas leitoras,
ResponderEliminaragradeço os comentários. Em princípio, ao Sábado, haverá mais "Linhagens" e enquanto a fonte de memória não se esgotar.