terça-feira, 10 de maio de 2011

Divagações 6


Os cegos, ontem, na grande cidade, andavam inquietos, desastrados, como que perdidos e desencontrados. Uma cega ainda jovem que, durante a viagem, na minha frente ouvia as mensagens do seu telemóvel e balbuciava, ao mesmo tempo, palavras ininteligíveis, quando se levantou, em Campolide, enganou-se na saída, esbarrou na parede, tropeçou nas escadas e praguejou - nunca tal eu vira e ouvira.
Outro cego, no metro, talvez quarentão recente, de passo trôpego, que, pressurosamente, um negro jovem tentou ajudar e guiar, foi corrido aos palavrões, entremeados pela frase, repetida: "Largue-me, eu sei muito bem o que estou a fazer, seu burro!" Os transeuntes, condoídos do preto caridoso, diziam: "Parece impossível!? O rapaz só queria ajudar!..." No meio de todos estes desencontros, lembrei-me de E. M. Cioran. E, em casa, encontrei as palavras que procurava do romeno-francês: "Todos estes olhos duros, maus. Em caso de revolta, não ousamos imaginar a sua expressão. A palavra «próximo» não tem sentido nenhum numa grande cidade. É um vocábulo que era legítimo nas civilizações rurais, onde as pessoas se conheciam de perto, e podiam amar ou detestar-se em paz."

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