quinta-feira, 12 de maio de 2011

Os tiranetes : uma fábula?


Creio que toda a gente os conhece. Habitam atrás de balcões ou guichets envidraçados de repartições, normalmente públicas, mas também privadas. Crescem, sobretudo, nas delegações de finanças ou das autarquias, alimentam-se das vírgulas das leis e das minudências das posturas municipais. Estão nesses locais para informar, esclarecer e ajudar o cidadão mas, o que fazem, as mais das vezes, é complicar, esconder e dificultar. E, da sua mediocridade e pequenez, tornam-se gigantescos obstáculos intransponíveis, monstruosas objecções à simplicidade, ganhando assim uma estatura desproporcionada, uma autoridade burocrática quase ditatorial que ninguém lhes confere. Nem merecem. Eu chamo-lhes: tiranetes.
Ora, um Amigo meu transmitiu-me uma história singular, e a propósito, em que o Bem vence o Mal. Em que a astúcia vence os tiranetes. E eu vou contar essa história, porque me parece exemplar. Cá vai: João X. comprou um apartamento na cidade, ele que sempre vivera nos subúrbios. Uma das paredes da casa, que dá para o rio, não tem qualquer abertura ou janela e ele gosta de ver a oscilação das águas e dos barcos navegando. A construção da casa é, no entanto, sólida de base, tanto que o faz considerar a hipótese de vir a abrir uma janela, na parede sul. Consulta então um seu amigo arquitecto, Manuel P., e pergunta-lhe em que termos deverá fazer o pedido de alteração e autorização à Câmara, para começar as obras.
O arquitecto responde-lhe: "- Nem penses nisso, pá! Vão demorar meses a dar-te uma resposta e, depois, dizem-te que não..." João X. entristece e o amigo, ao vê-lo assim descorçoado, prossegue: "...mas eu vou resolver-te o problema!" Na segunda-feira seguinte, o arquitecto, acompanhado por um trabalhador moldavo e outro, brasileiro, tira medidas e manda começar a fazer uma abertura na parede. Dois dias depois, a janela pretendida já existe e deixa entrar a luz e ver o rio. O arquitecto Manuel P. tira, então 5 ou 6 fotografias da parede, quer do interior, quer do exterior, centralizando a janela no contexto. Pede então que João X. lhe assine um documento para entregar na Câmara. Destina-se a obter uma autorização autárquica para mandar fechar a janela.
Quatro meses depois, João X recebe um envelope timbrado da autarquia. Lá dentro 3 páginas A4, profusamente escritas, com enumeração de mais de uma dezena de posturas justificativas para a proibição terminante, sem direito a apelo ou recurso, para fechar a janela... João X., agora com este documento "legal" pode, tranquilamente, sentar-se à janela recém-aberta na parede sul e ver os barcos a passar no rio. Telefona ao arquitecto, ri-se, feliz, e convida-o para jantar...

para C. S., com as melhores lembranças.

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