Foram inúmeras, em Portugal, as chamadas Academias, nos séculos XVII e XVIII, a maior parte delas com vida breve. Poetava-se (mediocremente, as mais das vezes) em português, em castelhano, em latim e também em língua italiana. A Academia dos Singulares foi uma das que teve vida mais prolongada: fez no mínimo 36 sessões, com discursos e abundante produção poética. Há notícia, em livro, que a primeira reunião dos vates terá ocorrido a 4 de Outubro de 1663, sob presidência de Sebastião da Fonseca e Paiva, que era mestre do "Hospital d'El-Rei". A última sessão terá, eventualmente, sido feita com presidência de André Nunes da Silva, em 19 de Fevereiro de 1665. É de António Serrão de Castro, um dos Académicos, o soneto intitulado Festas Bacanais que, a seguir, se transcreve.
Filhós, fatias, sonhos, mal assadas,
Galinhas, porco, vaca e mais carneiro,
Os perus em poder do pasteleiro,
Esguichar, deitar pulhas, laranjadas;
Enfarinhar, pôr rabos, dar risadas,
Gastar para comer muito dinheiro,
Não ter mãos a medir o taberneiro,
Com réstias de cebolas dar pancadas;
Das janelas c'um tanho dar na gente,
A buzina a tanger, quebrar panelas,
Querer em um só dia comer tudo;
Não perdoar arroz, nem cuscuz quente,
Despejar pratos e alimpar tijelas,
Estas as festas são do gordo Entrudo.
Obrigada. :)
ResponderEliminarE já agora deixo outro poema desse cristão-novo que passou pela Inquisição:
A UMA DAMA QUE DESMAIOU DE VER UMA CAVEIRA
MOTE
Já fui flor, já fui bonina
Agora estou desta sorte,
Fui o retrato da vida
Agora sou o da morte.
GLOSA
Se desmaias de me ver,
eu também de ver-te a ti,
pois qual tu te vês me vi,
e qual me vês hás-de ser;
esta caveira hás-de ter,
se te imaginas divina,
que eu também quando menina
fui um sol, fui uma aurora,
e se sou caveira agora,
já fui flor, já fui bonina.
Se me viras primavera,
sendo üa inveja das flores,
então mais te dera horrores,
então alento te dera;
secou esta verde hera
um cruel sopro da morte,
porque com seu braço forte
tudo prostra, tudo humilha,
que eu ontem fui maravilha,
agora estou desta sorte.
Ver-me ontem era ventura,
Hoje ver-me horrores dou;
Hoje üa caveira sou,
ontem flor da fermosura.
Foi tal a minha pintura,
tão valente e tão subida,
tão forte e tão presumida,
tão corada, tão fermosa,
que soberba e vangloriosa
fui o retrato da vida.
Acabou-se este portento,
já este sol se eclipsou,
já esta flor se murchou,
já se acabou este alento.
Como a vida foi um vento,
inda que correu tão forte,
acabou-se de tal sorte,
que sendo com meu ornato
ontem da vida retrato,
agora sou o da morte.
Muito obrigado pela atenção, MR, que enriquece o poste.
ResponderEliminarOntem com a pressa de procurar o poema que transcrevi até me esqueci de dizer que gostei do poema que no conhecia e achei interessante a referência ao «cuscuz quente». Não sabia que era conhecido por cá na época. Deve ter cá ficado dos árabes.
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