domingo, 26 de junho de 2011

Salão de Recusados XXXVI : Academia dos Singulares


Foram inúmeras, em Portugal, as chamadas Academias, nos séculos XVII e XVIII, a maior parte delas com vida breve. Poetava-se (mediocremente, as mais das vezes) em português, em castelhano, em latim e também em língua italiana. A Academia dos Singulares foi uma das que teve vida mais prolongada: fez no mínimo 36 sessões, com discursos e abundante produção poética. Há notícia, em livro, que a primeira reunião dos vates terá ocorrido a 4 de Outubro de 1663, sob presidência de Sebastião da Fonseca e Paiva, que era mestre do "Hospital d'El-Rei". A última sessão terá, eventualmente, sido feita com presidência de André Nunes da Silva, em 19 de Fevereiro de 1665. É de António Serrão de Castro, um dos Académicos, o soneto intitulado Festas Bacanais que, a seguir, se transcreve.

Filhós, fatias, sonhos, mal assadas,
Galinhas, porco, vaca e mais carneiro,
Os perus em poder do pasteleiro,
Esguichar, deitar pulhas, laranjadas;

Enfarinhar, pôr rabos, dar risadas,
Gastar para comer muito dinheiro,
Não ter mãos a medir o taberneiro,
Com réstias de cebolas dar pancadas;

Das janelas c'um tanho dar na gente,
A  buzina a tanger, quebrar panelas,
Querer em um só dia comer tudo;

Não perdoar arroz, nem cuscuz quente,
Despejar pratos e alimpar tijelas,
Estas as festas são do gordo Entrudo.

para MR, em geminação com o seu poste, no Prosimetron, sobre a Academia dos Renascidos.

3 comentários:

  1. Obrigada. :)
    E já agora deixo outro poema desse cristão-novo que passou pela Inquisição:

    A UMA DAMA QUE DESMAIOU DE VER UMA CAVEIRA

    MOTE

    Já fui flor, já fui bonina
    Agora estou desta sorte,
    Fui o retrato da vida
    Agora sou o da morte.

    GLOSA

    Se desmaias de me ver,
    eu também de ver-te a ti,
    pois qual tu te vês me vi,
    e qual me vês hás-de ser;
    esta caveira hás-de ter,
    se te imaginas divina,
    que eu também quando menina
    fui um sol, fui uma aurora,
    e se sou caveira agora,
    já fui flor, já fui bonina.
    Se me viras primavera,
    sendo üa inveja das flores,
    então mais te dera horrores,
    então alento te dera;
    secou esta verde hera
    um cruel sopro da morte,
    porque com seu braço forte
    tudo prostra, tudo humilha,
    que eu ontem fui maravilha,
    agora estou desta sorte.

    Ver-me ontem era ventura,
    Hoje ver-me horrores dou;
    Hoje üa caveira sou,
    ontem flor da fermosura.
    Foi tal a minha pintura,
    tão valente e tão subida,
    tão forte e tão presumida,
    tão corada, tão fermosa,
    que soberba e vangloriosa
    fui o retrato da vida.
    Acabou-se este portento,
    já este sol se eclipsou,
    já esta flor se murchou,
    já se acabou este alento.
    Como a vida foi um vento,
    inda que correu tão forte,
    acabou-se de tal sorte,
    que sendo com meu ornato
    ontem da vida retrato,
    agora sou o da morte.

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  2. Muito obrigado pela atenção, MR, que enriquece o poste.

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  3. Ontem com a pressa de procurar o poema que transcrevi até me esqueci de dizer que gostei do poema que no conhecia e achei interessante a referência ao «cuscuz quente». Não sabia que era conhecido por cá na época. Deve ter cá ficado dos árabes.

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