domingo, 19 de junho de 2011

Linhagens 11

Memórias do lado materno 4: o tio marceneiro e fotógrafo

Chegou a altura de me despedir das memórias do lado materno, de Leverkusen, com a evocação do meu tio marceneiro e fotógrafo. Aliás, toda a parte documental e familiar, que serve de base às linhagens, devemo-la ao tio fotógrafo. Para além de mestre na arte da marcenaria, aperfeiçoou o gosto pela fotografia. Basta recordar que tinha o material à mão. Tendo a AGFA sido uma empresa ligada à Bayer, teve, certamente, acesso não apenas aos produtos como aos ensinamentos da empresa e montou uma câmara escura na cave do prédio onde vivia.
Digamos que o tio Otto, o rapaz mais velhos dos cinco descendentes dos avós, era, e é, para nós, o mais catita e alegre. Casado com uma viúva da guerra, com uma filha, seguiu, porventura, um rumo menos canónico para a família. Em vez de se aplicar na construção de uma casa própria, manteve-se sempre no seu pequeno apartamento alugado. A falta de espaço edificado compensava-o, desde muito cedo, com viagens pela Europa, e, sobretudo, com férias na Baviera e na Áustria, em tendas, caravanas e casas alugadas. Até hoje. Será, talvez por causa da sua opção, o mais bem-aventurado até ao final da sua vida. O estado "social" não o poderá obrigar a alienar o seu bem edificado, com esforço de décadas, como sucedera ao seu cunhado, em troca de uma assistência na velhice que ultrapassava o valor de sua pensão. Seria necessária uma memória mais alargada, e quiçá solidária, para o Estado alemão reconhecer que fora a geração nascida entre 1914 e 1921 que, com os anos de juventude perdidos na 2ª Guerra Mundial, construíu o tal "estado social". Seria imperativo proporcionar a esses obreiros um final de vida mais digno, poupando-os à alienação forçada da habitação (re-)edificada após o final de guerra.

Regressando, no entanto, à alegria em casa do tio, lembro-me de um teatro de fantoches. A "casa do teatro" e os bonecos tinham saído das mãos do tio. Ao fim do dia, ou aos fins-de-semana em que passava com ele, as senhoras, i.e., a tia, a prima e eu, sentadas no sofá, assistíamos aos espectáculos do tio. Ele mexendo nos bonecos, contava histórias e anedotas que nos enchiam de boa disposição. A casa podia ser pequena, mas nunca senti a limitação do espaço, pela irradiação da alegria.
Da câmara escura, situada na cave, saíam, então, as fotos. Como memória derradeira das fotos do tio, aqui vai uma imagem.


P.S. Para o tio Otto que, em Agosto, fará 98 anos. É obra !

Post de HMJ

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