A lua faz-se redonda, a pouco e pouco, e a luz de Junho ainda cresce, arredando a noite para mais tarde.
A velhice vai abatendo as defesas do rigor, quase regressa às emoções da infância, mas também aqui há uma benevolência amável da memória, na procura da felicidade. Os tercetos ficaram sempre na gaveta, porque os achei infelizes, canhestros, demasiado sentimentais.
Mas partir é sempre limitar e reduzir. A cidade que fora minha, já não é. E os regressos são obrigações apenas, que se cumprem a custo. Ou em piloto-automático. Mesmo em Agosto, que era o mês da aventura, junto ao mar, outrora. Mas quando sobram horas e já não há casa que nos acolha, cresce um desconforto imenso pelo lado mais íntimo da tarde, em volta do jardim deserto da cidade vazia. Onde eu brincara, tanta vez, ao longe.
Rumoreja a água sobre o pequeno lago, e qualquer banco serve, porque não há gente, nem os carros passam. O jornal está lido, o cemitério visitado, a campa, florida. No bolso há uma chave, um pouco enferrujada e inútil, que atiro para a água. E, gradualmente, desatinadas, as palavras vêm à tona, para serem escritas:
Fecho a porta de casa sobre a última
noite e trago a chave sem saber
a quem a dar.
Nem mesmo estas
palavras têm sentido: alguém
as irá ler como eu as disse?
Respondendo: Talvez!
ResponderEliminarPor vezes existem sensações que a sensação conhece!
Mas a maré tem sempre dois sentidos...
Era René Char que dizia: "O poema casa sempre com alguém." Falta saber se cumpre os mínimos, para "ser" poema.
ResponderEliminarObrigado, JAD.
Quem foi que disse que nunca se deve voltar a um lugar onde se foi feliz? Esta minha memória...
ResponderEliminarNão acho estes tercetos infelizes, menos ainda canhestros, e parecem-me q.b., no sentimento. Apetece-me dizer, como as crianças: quero mais :-)
A frase, que não é minha, acho-a exacta.
ResponderEliminarGrato, c.a., pela sua leitura benevolente e amiga.